O governador do Paraná e pré-candidato à Presidência da República, Ratinho Junior (PSD), decidiu entrar no debate nacional sobre segurança pública. Durante evento em São Paulo, ele defendeu que os estados possam legislar sobre a execução de penas. Para especialistas, a proposta é inconstitucional e “separatista”, acabando com o pacto federativo. Segundo eles, a “declaração do governador tem equívocos graves” e foi dada como reação à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Nacional proposta pelo governo Luis Inácio Lula da Silva (PT). Ratinho Junior passou a defender a anistia para a tentativa de golpe com foco na conquista do eleitorado bolsonarista.
“Com uma medida simples resolvemos rapidamente a violência no Brasil. Eu faria uma emenda na Constituição delegando aos estados a competência para fazer a sua legislação penal”, afirmou Ratinho Junior, durante encontro promovido pelo Sindicato Patronal do Setor Imobiliário (Secovi)
Para Waleiska Fernandes, advogada, conselheira estadual e municipal de Direitos Humanos e presidente do Conselho da Comunidade de Curitiba, “a fala do governador tem equívocos graves”. Ela cita que a União possui competência privativa para legislar sobre direito penal, como expressa artigo 22, inciso I, da Constituição Federal.
“Aos estados só cabe legislar sobre questões penais em casos muito específicos e locais, como uma questão pontual de trânsito, por exemplo. Ainda assim, desde que haja uma lei complementar federal, autorizando os estados para tal”, avalia.
Cadeias lotadas e falta de políticas
Segundo Fernandes, o governador também demonstra desconhecimento sobre o sistema prisional brasileiro. “Ao contrário do que ele fala, o sistema prisional é um lugar que trata as pessoas como se estivessem no inferno, e não como anjos”, disse.
O governador do Paraná acrescentou que a lei não é dura o suficiente com os presidiários. “O cidadão de bem não pode mais viver trancado em casa. É uma inversão da lógica. Estados precisam ter autonomia para endurecer as penas. Punição mais dura para criminoso significa, no final do dia, tranquilidade para as famílias brasileiras viverem em liberdade”, sentenciou Ratinho Junior.
A solução foi criticada pelo deputado estadual Requião Filho (sem partido). Ele comenta o desconhecimento do governador relativo à população carcerária do Brasil e do estado que comanda, o Paraná.
“O sistema penitenciário brasileiro tem uma superpopulação, com um déficit de vagas estimado em mais de 170 mil. A maioria dos presos são presos por pequenas infrações e crimes de baixo potencial ofensivo. Enquanto isso, aqueles que matam milhares através da corrupção, tirando dinheiro da saúde, da merenda escolar e atrasando obras nunca acabam atrás das grades. E são os que causam um prejuízo muito maior à sociedade”, comparou Requião Filho.
Quebra do pacto federativo

Para a presidente do Sindicato dos Guardas Municipais de Curitiba (Sigmuc), Rejane Soldani, o governador do Paraná está indo na contramão das discussões em segurança pública.
“O que ele está propondo é uma quebra do atual pacto federativo”, afirma. Para ela, o governador deve se preocupar com a questão estadual, uma vez que o Paraná ocupa posições preocupantes em rankings nacionais sobre criminalidade. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, o Paraná lidera, na região Sul, a taxa das mortes violentas intencionais.
“Essa fragmentação compromete o diagnóstico real da segurança pública e enfraquece o planejamento estratégico das ações de enfrentamento à criminalidade. Por isso, é urgente avançar em políticas de integração de sistemas, interoperabilidade de dados e cooperação entre os entes federativos, como propõe a PEC da Segurança Pública (PEC 18/2025). Essa proposta busca fortalecer o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e institucionalizar a cooperação entre União, Estados e Municípios no enfrentamento ao crime”, comenta a sindicalista.
Já Pedro Paulo Martins, advogado e mestre em direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), avalia que a proposta parece um pouco extravagante, pois a repartição de competências legislativas é pensada tendo em vista a forma federativa de Estado, que é cláusula pétrea.
O advogado sustenta que a simples comparação com o modelo dos Estados Unidos é insuficiente. “Vale também lembrar que há modelos distintos de federação: o modelo dos Estados Unidos, por exemplo, onde se admite legislação penal de caráter estadual, é diferente do modelo brasileiro. Há razões históricas e políticas para as diferenças.”
Martins conclui que segurança pública sempre foi um tema de enorme complexidade, por muitas vezes tratado de forma não científica, sem dados ou evidências. “É importante estar atento a isso, de modo a qualificar o debate e analisar políticas públicas”, estimula.