A dificuldade em combater políticos como o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), em comparação com figuras abertamente reacionárias como Jair Bolsonaro (PL), está diretamente ligada à estratégia discursiva e à construção de imagem que eles adotam.
Enquanto o ex-presidente chocava e bradava discursos de ódio de maneira explícita, Zema opera com um discurso “racionalizado” e uma postura aparentemente moderada, o que torna sua agenda menos visível e, portanto, mais difícil de ser combatida.
Assim como Bolsonaro, as figuras de “extrema direita soft”— que significa ‘macio’, em português — governam para uma elite que recebe perdão de dívidas fiscais, isenções e benesses.
Quem é beneficiado
Bons exemplos de quem se beneficia com a política desse setor são as mineradoras, empreiteiras e grandes empresas de Minas Gerais — como a Localiza, cujos sócios bancaram 28% da campanha de Zema — que foram agraciadas com reduções de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e anistias tributárias. Tudo isso enquanto os trabalhadores sofrem com a precarização.
Professores da educação pública do estado têm seu piso salarial desrespeitado, sindicatos, como o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUTE-MG), são abertamente processados e perseguidos pelo governador. Em 2022, por exemplo, foi aplicada uma multa de R$ 3,2 milhões, o que resultou no bloqueio das contas bancárias do SindUTE-MG.
O que diferencia Zema de Bolsonaro não é o projeto, mas o método
Na saúde, o governo Zema avança com o Projeto de Lei (PL) 2127/2024, que pretende fechar hospitais públicos em Belo Horizonte e implementar um modelo de Parceria Público-Privada (PPP), entregando a gestão à iniciativa privada e aprofundando o desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS) em Minas Gerais.
Serviços públicos essenciais são estrangulados para justificar privatizações. No começo deste ano, o governador chegou a dizer que pretende, ainda em 2025, privatizar a Cemig, a Copasa, a Codemge e o BDMG, liquidando patrimônio público construído ao longo de décadas.
Zema é, em essência, o que a burguesia esperava de Bolsonaro
A diferença está no método
O que diferencia Zema de Bolsonaro não é o projeto, mas o método. Enquanto o ex-presidente usava um discurso inflamado e polarizador, o governante de Minas Gerais adota um estilo mais “gerencial”, sorridente nas redes sociais, alternando entre piadas e um tom supostamente técnico.
Mas o resultado é o mesmo: um Estado cada vez mais reduzido para os pobres e cada vez mais generoso para os ricos. Zema é, em essência, o que a burguesia esperava de Bolsonaro — um gestor eficiente na aplicação do neoliberalismo, sem estardalhaços que geram desgastes políticos.
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Figuras bolsonaristas são polarizadores por essência – suas falas agressivas contra minorias, suas postagens violentas e seu estilo truculento criavam um inimigo claro, o que facilitava a organização de resistência.
A farsa da ‘eficiência’
Romeu Zema, Tarcísio de Freitas, Eduardo Leite, Simone Tebet, Kim Kataguiri e Felipe D’Avila são alguns desses nomes que defendem uma agenda devastadora mas menos chamativa. Usando termos como “eficiência”, “gestão”, “modernização” e “técnicos”, eles soam até sedutores para uma parcela da população que não é ligada ao bolsonarismo ou ao petismo.
Enquanto o bolsonarismo é associado a retóricas fascistoides — ataques à democracia, elogios à tortura, perseguição a jornalistas —, essas figuras se apresentam como mera “administração liberal”.
E é aí o maior perigo: o neoliberalismo, quando não vem acompanhado de um discurso de ódio explícito, consegue se passar por “senso comum” — afinal, décadas de hegemonia ideológica já convenceram muita gente de que “Estado grande é ineficiente”, “servidor público é privilegiado” e “privatizar é modernizar”.
Isso faz com que medidas como o não pagamento do piso dos professores ou a venda da Cemig não sejam vistas como ataques, mas como “ajustes necessários”. O neoliberalismo de Zema não parece extremista. Parece “normal” e genuinamente inimigo da “velha política”.
Bolsonaro chamava movimentos negros de “vitimistas”, comparava o peso de quilombolas com peso de animais, chamava a filha mulher de “fraquejada”, atacava frontalmente minorias sociais e populações indígenas, dizia em palanques que a oposição deveria ser fuzilada, além de ser abertamente simpatizante de grupos antivacinação e até de ideais como o “terra planismo”. Isso criava um sentimento de urgência que unia diferentes setores na resistência.
A prática é a mesma
A prática de Zema não é muito diferente: constrói políticas públicas que prejudicam o meio ambiente e indígenas, despejou dezenas famílias em plena pandemia, persegue trabalhadores, veta recursos para a assistência social, veta a criação de auxílio para cuidadores de pessoas com deficiência, realiza despejos violentos contra o MST e outros movimentos sociais, mesmo a empreiteira da sua família tendo invadido uma área pública para construir prédios sem qualquer licença ou concessão.
Mas você não verá fotos de Zema com o estômago aberto, bradando discursos contra minorias ou fazendo declarações escandalosas. Sua violência é sistêmica e silenciosa: quem vai às ruas protestar contra um “gerente bem-educado” que fala em “gestão eficiente”?
O Bolsonaro é constituído por personagens caricatos, é fácil de ridicularizar e de identificar como reacionário. As figuras da “direita soft”, por outro lado, evitam esse confronto ideológico direto, dificultando a construção de um antagonismo claro.
Zema representa um novo tipo de ameaça: um ultraliberalismo que não precisa do ódio explícito para avançar. Seu governo mostra que a direita aprendeu que é mais eficiente privatizar com sorriso do que com truculência. Combater esse projeto exige novas estratégias — denúncias detalhadas, formação política constante e a capacidade de traduzir para o grande público como medidas aparentemente “técnicas” são, na verdade, ataques brutais aos direitos do povo.
Enquanto Bolsonaro era um monstro fácil de identificar, essas novas figuras mostram que não é necessário um rosto raivoso para avançar — basta um sotaque forçado, uma tinta para cabelos grisalhos e, é claro, um sapatênis.
Laura Sabino é comunicadora popular, youtuber e colunista do Brasil de Fato.
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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.