Em meio ao caos provocado pelas enchentes de maio de 2024, o Museu da Cultura Hip-Hop do Rio Grande do Sul, sediado em Porto Alegre (RS), tornou-se um dos polos de mobilização e resposta emergencial. O movimento organizou redes de apoio, combateu a desinformação e garantiu que milhares de pessoas tivessem acesso a água, cobertores e outros itens de necessidade imediata.
“Nas ruas alagadas do estado, onde o abandono do Estado se tornou visível em cada esquina, o movimento hip-hop mostrou mais uma vez sua força, não apenas como expressão cultural, mas como prática cotidiana de resistência, solidariedade e organização comunitária”, relembrou Rafa Rafuagi, um dos articuladores do museu e referência nacional no movimento, ao divulgar as atividades recentes do espaço.
“Reconstrução Hip Hop”: memória e solidariedade após a tragédia climática
O museu destaca sua atuação nas enchentes de 2024 com a exposição de longa duração, “Reconstrução Hip Hop”, que mostra a resposta solidária da comunidade hip-hop diante da maior tragédia climática do estado. Durante a emergência, articulou a entrega de 300 toneladas de doações e mais de R$ 450 mil a 58 instituições, 400 famílias e 200 artistas em todo o estado.

“Historicamente, o hip-hop cumpriu o papel que seria de gestores públicos. Historicamente, o hip-hop combateu a fome, a drogadição, inclusive o encarceramento em massa e, por que não, freiou a letalidade juvenil, em especial de jovens negros e negras”, afirma Rafuagi.
O rapper ressalta que o hip-hop foi mais do que um braço parceiro da sociedade. “Ele foi a própria sociedade compreendendo a sua capacidade de se articular, se organizar, propor… ser o seu próprio amparo em muitos caminhos onde faltou também o braço do Estado.”
Segundo ele, durante a tragédia climática no Rio grande do Sul, “essa potência de organização” se expressou em várias frentes. Uma delas foi o enfrentamento às fake news que circulavam nas redes sobre os auxílios do governo federal.

“Combatemos efetivamente as fake news que rolavam acerca da ajuda emergencial de R$ 5.100, bem como a defesa da democracia, do Estado Democrático de Direito”, explica Rafuagi. “O hip-hop se colocou como um ente principal no diálogo com a comunidade, promovendo as ações que vinham do governo federal para que a sociedade não ficasse sem acessar seus direitos.”
Da mobilização à prática: solidariedade em tempo real
No dia 5 de maio de 2024, o Museu da Cultura Hip-Hop RS lançou uma campanha nas redes sociais. Com ampla capilaridade digital, o movimento rapidamente transformou likes e compartilhamentos em doações concretas.
“A força do museu nas redes, somada à mobilização individual de cada um de nós, canalizou as primeiras doações. Assim que chegavam, já eram revertidas em água, colchões, cobertores e outros itens emergenciais”, recorda Rafuagi.
A iniciativa ganhou visibilidade nacional e internacional. Artistas como Papatinho, Hungria, Lennon e Felipe Ret aderiram à campanha, contribuindo com mais de 60 mil litros de água.
“Essa primeira carreta que veio do Rio de Janeiro mobilizou todas as outras que puderam vir depois. Foi uma corrente que nasceu do exemplo concreto de ação coletiva”, diz.
Planejamento e futuro: o desafio da solidariedade permanente
Rafa Rafuagi também destaca a importância de aprender com a crise. Para ele, o movimento precisa institucionalizar mecanismos de resposta emergencial. “Aprendemos muito sobre como é importante a criação de um fundo emergencial à cultura hip-hop, que possa ser usado em momentos não só de crise climática, mas de qualquer catástrofe humanitária”, aponta.
“E se, em momentos de tristeza, conseguimos nos unir com os diferentes, por que não conseguimos manter essa sintonia quando a vida volta ao ‘normal’? Meu desafio como gestor é fazer com que o espírito solidário de empatia e respeito seja uma prática corriqueira do dia a dia, e não somente algo pontual.”
Nas palavras de Rafuagi, essa experiência mostrou que a cultura também pode ser trincheira, logística e reconstrução.
A mostra, instalada no segundo andar do museu, reúne registros da mobilização, depoimentos, fotografias e objetos que documentam a articulação comunitária em meio ao caos. Mais do que relembrar a tragédia, a exposição propõe uma reflexão sobre solidariedade, justiça social e reconstrução popular, pilares que sustentam a cultura hip-hop desde suas origens.
Educação e cidadania com base no hip-hop
Além da exposição, o museu oferece o programa de formação cidadã. Segundo os organizadores, o objetivo é proporcionar autonomia, consciência pública e fortalecimento da coletividade, valorizando os saberes das juventudes periféricas.
A Oficina de Conhecimento, por exemplo, será ministrada por Jean Andrade, e parte do pensamento de Paulo Freire para promover a troca horizontal de saberes. Já a oficina de DJ, com o reconhecido DJ Mosquito, combina teoria musical e práticas de mixagem com orientação para entrada no mercado de trabalho.
Também estão previstas oficinas com a MC e poeta Nathy, que abordará a escrita do rap como ferramenta de expressão e reflexão social; com o artista Deaf, que ensinará fundamentos do breaking, e com grafiteiros que vão conduzir os jovens da história do graffiti até a prática nos muros da cidade.
Para maiores informações acesse o site do museu.
