“Por que construir uma usina termelétrica, se ela não vai ajudar a gente a aprender a ler e escrever?”, questionou Sheila, estudante do 5º ano da Escola Classe (EC) Guariroba, durante seminário realizado na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (13), para debater os impactos da construção da Usina Termelétrica (UTE) de Brasília.
“Na escola eu fui acolhida, protegida e aprendi bastante. Se a gente se juntar, ninguém vai construir a usina. Eu peço para que não construam”, defendeu a aluna.
O projeto da Termo Norte para instalação da UTE Brasília prevê a demolição da instituição de ensino frequentada por Sheila e cerca de outros 350 jovens. Além desse impacto social, os participantes do seminário ressaltaram que o empreendimento poderá dobrar a emissão de gases poluentes do setor energético do Distrito Federal, com o lançamento anual de 4,7 milhões de toneladas de gás carbônico, e afetar o Rio Melchior, de onde serão retirados diariamente milhares de litros de água para resfriamento das turbinas da usina. A empresa responsável pelo projeto não compareceu à reunião na Câmara para prestar esclarecimentos, alegando incompatibilidade de agenda do corpo técnico.
“Seria importante que a empresa estivesse aqui para escutar os clamores da sociedade e ao mesmo tempo ofertar para o povo de Brasília as respostas que são necessárias”, lamentou a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), que presidiu o debate. A Termo Norte também não compareceu à audiência pública realizada sobre o tema pela Câmara Legislativa do DF (CLDF) em março.
Kokay afirmou que a instalação da termelétrica viola direitos humanos, como o direito à educação e ao meio ambiente, e, por isso, solicitará uma reunião com a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, para discutir o tema. A parlamentar também prometeu levar o assunto ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos, ao Conselho de Participação Social e ao ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. Há uma preocupação com a interferência das torres da UTE Brasília na aviação, já que terão 130 metros, o que corresponde a um prédio de 42 andares.
EC Guariroba
Estudantes, professores, pais e moradores de Samambaia tem se mobilizado contra a construção da usina termelétrica. O projeto da Termo Norte prevê a demolição da EC Guariroba, única escola do campo da região administrativa, que atende a cerca de 350 crianças. A instituição de ensino já foi removida uma vez, com a criação do aterro sanitário.
“A cada vez que a escola muda de lugar, perdemos um pedaço da nossa história e da nossa identidade. Vão nos afastando daquilo que é importante para a gente”, afirmou Walquiria Gonçalves, professora da EC Guariroba. “Vão retirar uma escola que prepara vidas, prepara pessoas para cuidar do meio ambiente, dos animais em extinção, de um rio, para colocar uma indústria que só trará poluição”, destacou.
Além das atividades dentro de sala de aula, a escola também realiza plantação de hortas orgânicas com os alunos e pais. Para o diretor-presidente do Instituto Internacional Arayara, Juliano Bueno, o projeto da Termo Norte tem causado um “terrorismo emocional nas crianças”, que convivem com o medo de perder as relações sociais e com o território. “Ao longo dos meus 35 anos de atuação no instituto, eu nunca vi um projeto de termelétrica querendo colocar abaixo uma escola com centenas de criança que cumpre um papel educacional e social tão importante”, alertou.
Aumento de tarifa
Se permitido, a UTE Brasília será instalada em uma área de Samambaia e Recanto das Emas. Mas os efeitos nocivos, como os problemas respiratórios gerados pela poluição do ar, poderão atingir toda a população do DF. Além disso, outras áreas poderão sofrer demolições de casas e prédios, já que será necessário a construção de um gasoduto que levará o gás natural à usina, combustível fóssil não disponível no DF.
Segundo o presidente da Frente Nacional de Consumidores de Energia (FNCE), Luiz Eduardo Barata, a construção do gasoduto terá impactos ambientais e sociais, além de ser custoso, onerando os consumidores de energia. “Qualquer projeto energético só é bom quando é uma operação ganha-ganha: ganha quem implanta e quem usa e paga. Neste caso, ela só será boa para um dos lados, para quem implanta, porque para quem usa e para quem paga, ela será muito ruim. Ela só virá para aumentar o lucro da empresa e não agrega valor ao sistema elétrico nacional”, destacou.
De acordo com uma estimativa apresentada por Kokay, a construção da termelétrica poderá aumentar em até 17% a conta de energia dos consumidores.

Licenciamento do Ibama
Por se tratar de um empreendimento com potência para gerar mais de 300 megawatts de energia, o licenciamento ambiental do projeto da UTE Brasília é de competência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Segundo o coordenador geral de Licenciamento Ambiental de Energia Nuclear do órgão, Eduardo Wagner da Silva, a análise está em curso desde fevereiro e o Ibama tem de seis a 12 meses para concluir o processo.
Apesar de ainda não haver uma conclusão a respeito viabilidade ou não do empreendimento, o representante do Ibama afirmou que o projeto tem “alto potencial poluidor e, consequentemente, alto poder de poder gerar impactos ambientais e degradação ao meio ambiente nos aspectos bióticos, físicos e o socioeconômico”. Silva destacou quatro impactos principais: a remoção da EC Guariroba, alterações no Rio Melchior, poluição sonora pelos ruídos gerados pela usina e a poluição do ar.
O diretor de Transição Energética do Instituto Arayara, John Wurdig, destacou que a construção da usina contraria o compromisso estabelecido pelo governo do DF de reduzir as emissões de carbono. “De acordo com o decreto número 43.413, instituído dia 7 de junho de 2022, que instituiu o plano para o carbono neutro, neste ano, o DF deveria reduzir em 20% as emissões de gás de afeito estufa. O decreto sancionado pelo governador Ibaneis [Rocha] em 2022 e omitido no relatório de impactos da Termo Norte”, afirmou.
A superintende de Recursos Hídricos da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa), Juliana Gomes, defendeu, durante o seminário, que as duas outorgas que autorizam a Termo Norte a captar e devolver a água do Rio Melchior para resfriamento da usina são resultado de uma análise estritamente técnica, seguindo todos os trâmites legais.