Em coletiva de imprensa na sede da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, na região central da capital paulista, o ministro das Cidades, Jader Filho, anunciou que os governos federal e de São Paulo chegaram a um acordo sobre a destinação do terreno da favela do Moinho e o plano de reassentamento para as famílias que lá residem.
“É importante a gente ressaltar que este acordo tem duas frentes muito importantes: primeiro, para que essas famílias saiam de uma maneira digna da onde elas construíram a sua história dentro da favela do Moinho”, afirmou o chefe da pasta de Cidades. “E segundo, que nós possamos dar segurança que essas famílias vão ter um lar”, completou.
O acordo prevê que as mais de 800 famílias do Moinho receberão R$ 250 mil para a compra de um novo imóvel onde desejarem. Não é carta de crédito, é subsídio. Os moradores da comunidade não pagarão pela aquisição dos imóveis.
O convênio ficou determinado com governo federal, de forma que o Ministério das Cidades deverá pagar R$ 180 mil e o governo estadual outros R$ 70 mil para a aquisição de cada imóvel. Os recursos virão, respectivamente, do programa Minha Casa Minha Vida e Casa Paulista. As famílias poderão escolher unidades prontas da CDHU ou em construção em qualquer cidade do estado de São Paulo.
O auxílio aluguel para as famílias que precisarão de uma moradia temporária até a aquisição do imóvel, que antes era de R$ 800, agora será de R$ 1.200. Desse total, R$ 400 serão repassados pelo governo federal. O benefício se estenderá pelo período em que a família precisar aguardar até que o imóvel definitivo fique pronto.
Para Yasmin Flores, presidente da Associação de Moradores da Favela do Moinho, “o clima é de comemoração completa, obrigado, Lula”.
“Faz um ano que a gente tá nessa luta. Desde o primeiro momento, a gente nunca negou que queria moradia, mas a gente queria moradia digna. E hoje foi isso que a gente conseguiu”, disse, ao Brasil de Fato. “Depois de muita luta, muita batalha, muito enfrentamento, a gente conseguiu um retorno positivo. E que o Moinho seja exemplo para outras favelas, para outras ocupações, e que essas ocupações consigam a mesma coisa que a gente, porque a luta faz a conquista.”
Luta que, garante ela, continua com “muita reunião” que ainda vai acontecer para acompanhar cada etapa do processo. Como ponto para discussão, ela levantou o valor do auxílio-aluguel, que deveria ser conforme os preços praticados em cada região. “Eu peço para que os governadores analisem que, no Campos Elíseos, hoje, um aluguel é de R$ 2.000 pelo menos para uma família. Para que atenda as famílias e que as pessoas não precisem ficar sendo realocadas para a zona leste, zona sul, interrompendo sua trajetória aqui e sua história”.
Violência policial
De acordo com o ministro das Cidades, o processo pode ser interrompido caso o governo de São Paulo insista na manutenção do uso da violência contra os moradores através da Polícia Militar. “Se houver violência, inviabiliza qualquer diálogo. Não haverá violência, se houver, esse acordo fica inviabilizado”, afirmou Jader Filho, ao lado de Marcelo Branco, secretário de Desenvolvimento Urbano e de Habitação de São Paulo, que demonstrou constrangimento.
Em resposta sobre o assunto, Branco argumentou que a presença do batalhão de Choque da Polícia Militar (PM) dentro da favela do Moinho ocorreu, principalmente, “para permitir que as pessoas que queriam sair da favela, saiam da favela”. Ainda segundo o secretário, “pessoas lá dentro, do crime organizado, estavam impedindo essas pessoas de sair da favela. A polícia foi lá assegurar esse direito”, disse.
A versão do secretário é refutada pelos moradores do Moinho. Nesta quinta-feira (15), o grupo participou de reunião para relatar casos de violência policial e despejo forçado a representantes do governo federal.
Cíntia Bonfim da Silva, moradora da favela e dona de uma padaria local, relata que o filho foi agredido pela PM enquanto tentava ir ao trabalho. “Meu filho estava indo trabalhar. Ele tentando passar para chegar no trabalho. O policial jogou o escudo nele e atirou nas costas dele. Eu estou na base do calmante”, relatou.
“O governador e o prefeito estão passando em cima de todo mundo, criminalizando a favela. Eu sou padeira. Eu passo a madrugada fazendo pão. Eu, como mãe, estou acabada. O mesmo homem que atirou no meu filho, riu na cara do meu filho no outro dia. A cara do meu filho está marcada. O [Batalhão de] Choque entrou ontem invadindo as casas e a gente fica calado. Mas a gente tem muita força. Eu tomei quatro calmantes sem receita. Sabe o que é ver seu filho tomar um tiro nas costas indo trabalhar e sendo chamado de vagabundo?”, disse a moradora.
Na quarta-feira (14), a deputada Mônica Seixas (Psol-SP), que acompanhou ações policiais no mesmo dia, disse: “Não podemos responder com normalidade à anormalidade. O que vemos na favela do Moinho é um estado de exceção e de sítio. Não existe determinação judicial que autorize a demolição da casa das pessoas e trancar uma rua pública é algo que eu não concebo num Estado Democrático de Direito”.
Durante o dia, a reportagem do Brasil de Fato testemunhou crianças passando entre as viaturas e policiais com forte armamento. “Eu saio daqui com vontade de chorar. Agora, 16h30, as crianças estão saindo das escolas e bebês estão saindo das creches. Vê-los passando por policiais, bombas, armas, helicópteros é muito ruim e é grave. E é grave que a imprensa não posso entrar”, seguiu a deputada. Ao longo da semana, o acesso à comunidade para a imprensa foi impedido.