A água é um bem essencial à vida. Um direito de todos e todas, garantido pela Constituição. Mas, no estado do Rio de Janeiro, ela está mais uma vez sob ameaça. Após privatizar a distribuição de água da Companhia Estadual de Águas e Esgotos, em 2021, para angariar recursos para sua reeleição ao Governo do Rio de Janeiro, Cláudio Castro agora quer conquistar uma vaga no Senado, e para isso mira no que restou da Cedae: a produção de água, ou seja, a captação e o tratamento dos mananciais.
Às vésperas de um novo ano eleitoral, a Companhia publicou o edital de licitação no LI 013/2024, que prevê a contratação de um banco ou instituição financeira para conduzir estudos e possíveis ações de “fortalecimento de capital” da empresa. Na prática, o edital abre espaço para novas operações de privatização, agora por meio de ofertas públicas de ações, reestruturações societárias e negociações privadas.
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Tudo isso está sendo apresentado de forma velada em meio a termos técnicos e pouco acessíveis a grande parte da população. Mas a verdade é simples: querem transformar a Cedae em ativo de mercado. E quem vai pagar essa conta, como sempre, são os consumidores — especialmente das favelas, periferias, assentamentos e pequenos municípios, que mais dependem da atuação pública para ter acesso à água de qualidade. A cobrança vem em forma de aumento da tarifa, serviços irregulares, falta de controle da qualidade da água e, consequentemente, impactos diretos na saúde da população e na saúde das nossas águas. A mercantilização dos bens da natureza não tem outro resultado que não seja exploração destrutiva e descaso.
Cadê o dinheiro que estava aqui?
A falta de transparência é regra no governo Cláudio Castro. Até hoje não está claro onde foi parar o dinheiro da venda da Cedae, em 2021, uma das maiores privatizações do Brasil, que arrecadou R$ 22,6 bilhões. Uma boa fatia (cerca de R$ 17 bilhões) foi destinada ao pagamento de dívidas do estado. Outra parcela de R$ 5,6 bilhões foi para o Fundo de Desenvolvimento Social com a promessa de investir em saneamento básico, educação e saúde, mas os projetos não andaram. Até 2024, menos de 30% desse valor havia sido efetivamente utilizado, segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ).
Neste novo edital, o valor estimado do contrato é sigiloso. Ou seja, o povo não tem o direito de saber quanto será pago. E mais: o processo todo ocorre sem debate e aprovação da Assembleia Legislativa, sem participação popular, sem controle social, sem ouvir os trabalhadores da empresa ou as comunidades impactadas. Tudo isso fere a democracia e ameaça a soberania hídrica do estado do Rio de Janeiro.
Além disso, o pagamento da empresa contratada será proporcional ao valor da transação financeira. Isso significa que quanto maior for a venda, maior será o lucro dessa consultoria. Um claro incentivo à entrega dos bens públicos.
Na conta de quem?
A privatização aprofundou o custo da água para os consumidores fluminenses, e diminuiu a qualidade do abastecimento. Antes da venda, os reajustes tarifários sob gestão estadual ficavam em média entre 5% e 9% ao ano, seguindo basicamente a inflação. Após a concessão à Águas do Rio (controlada pela Aegea), as tarifas dispararam: só em 2022, o aumento foi de 13,8%, e os reajustes anuais vêm superando 8%, bem acima do IPCA.
Uma conta de água que custava R$ 62,40 em 2020 (pré-privatização) saltou para R$ 91,50 em 2024, ou seja, um aumento de 46,6% em quatro anos. Estes reajustes atingem em cheio as famílias de baixa renda, que agora acumulam dívidas e sofrem cortes no fornecimento – prática que a Cedae, em sua gestão pública, evitava através de políticas sociais.
Enquanto os lucros da concessionária batem recordes (a Aegea, dona da Águas do Rio, faturou R$ 7,6 bilhões em 2023, com margem de 22% no setor de saneamento), as populações mais vulneráveis enfrentam racionamento e a completa ausência de investimentos em infraestrutura básica. Nas favelas do Complexo do Alemão, Rocinha e Maré, a realidade é de torneiras secas e esgoto a céu aberto. Comunidades como Vila Cruzeiro e Cidade de Deus ainda dependem de ligações improvisadas.
Diante desse cenário, é nosso dever denunciar e resistir. Por isso, venho acompanhando de perto as demandas e ações de entidades como os sindicatos SintSama, SindÁgua e Staecnon, da Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que realizam um ato neste 15 de maio em frente ao prédio da Cedae, na Cidade Nova. Esta mobilização faz parte de um processo de lutas, ao qual convido todas e todos, em defesa da água como bem público. Vamos juntos dizer não à mercantilização da água. A água é do povo. A água é um bem da natureza. A água é vida!
*Marina do MST é deputada estadual pelo PT do Rio de Janeiro.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.