Venezuelanos saíram às ruas nesta quinta-feira (15) para celebrar. Mesmo em contexto eleitoral, a mobilização não foi para apoiar candidatos ou para pedir votos, mas os manifestantes ocuparam o centro de Caracas para comemorar a volta de Maikelys Espinoza, de apenas dois anos, para o país.
Ela voltou na quarta, em voo com outras 6 crianças que estavam nos Estados Unidos. O governo venezuelano chamou de “sequestro” a forma que o governo dos EUA tratou Maikelys. Segundo Caracas, os pais da criança são cidadãos venezuelanos, viviam nos EUA e foram deportados no plano de expulsões em massa de Donald Trump, acusados de fazer parte do grupo criminoso Trem de Aragua.
Ela então ficou sob a responsabilidade do Departamento de Segurança Nacional (DHS) dos EUA.
Quem recebeu a criança no aeroporto foi o ministro do Interior, Diosdado Cabello. Ele tem sido o responsável por recepcionar os venezuelanos deportados dos EUA. Em coletiva de imprensa, o ministro disse que os pais não receberam a jovem porque não havia confirmação que Washington enviaria a jovem.
“Como não tínhamos certeza se a menina viria neste voo, não queríamos que a mãe e a avó dela viessem para que não sofressem mais tristeza, mas vocês sabem que a Maikelys chegou. Nós a colocamos em um lugar e vamos levá-la até eles para que possam abençoá-la com amor, assim como todas as crianças da Venezuela são abençoadas. Lutamos uma batalha diária, e hoje é uma grande vitória para Maikelys retornar à nossa pátria”, disse.
Maikelys chegou a Venezuela toda vestida de branco e foi levada ao palácio Miraflores, sede do governo venezuelano. Lá, a primeira-dama Cilia Flores entregou a jovem para sua mãe, Yorely Bernal, e sua avó, María Escalona Fernández.
A emoção foi televisionada em rede nacional e o encontro entre o presidente Nicolás Maduro e a família da jovem marcou outro capítulo na relação conturbada entre o governo de Donald Trump e a Venezuela. Mesmo com pressão estadunidense e a deportação massiva de venezuelanos em condições adversas, Maduro agradeceu ao republicano por ter enviado Maikelys.
Ele agradeceu também o presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodriguez, pela negociação com a Casa Branca. ele tem sido dos principais representantes de Caracas na relação com o governo dos EUA desde a gestão de Joe Biden.
“Houve e haverá diferenças. Mas é possível, com a bênção de Deus Pai, seguir em frente e resolver muitas questões. Espero e aspiro que muito em breve também possamos resgatar o pai de Maikelys e os 253 venezuelanos que estão em El Salvador. Esta vitória humana de ter esta linda menina entre nós é de todo o povo da Venezuela, mas sobretudo das mães e avós”, disse.
Os pais da criança são venezuelanos e se conheceram no Peru, onde viviam. Lá, eles tiveram a menina e foram aos Estados Unidos para tentar a vida. Chegaram aos EUA em 22 de maio de 2024, mas não tentaram cruzar a fronteira de maneira irregular. Eles assumiram à Justiça estadunidense que não tinham documentação para entrar no país.
Desde então eles estavam presos na migração. Mesmo assim, os EUA acusam que os dois fazem parte da organização criminosa venezuelana Trem de Aragua.
A mãe da criança é Yorely Bernal Inciarte. O DHS afirma que ela era responsável por supervisionar “o recrutamento de mulheres jovens para o narcotráfico e a prostituição”. O órgão, no entanto, não apresenta provas e afirma apenas que ela era “acusada” de integrar o Trem de Aragua. Ela foi deportada para a Venezuela no começo de 2025, na política de deportações de Trump.
Segundo o governo estadunidense, o pai, Maiker Espinoza Escalona, é acusado de ser “tenente” do grupo e de ser responsável por “homicídios, tráfico de drogas, sequestros, extorsão, tráfico sexual”, além de uma “casa de tortura”. Ele foi levado com outros 251 venezuelanos para o presídio de segurança máxima Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), de El Salvador.
O país recebeu os deportados venezuelanos que estavam nos EUA, todos acusados de fazer parte do grupo. O Departamento de Segurança Nacional (DHS) estadunidense confirmou a decisão e disse que a medida de prender os pais foi tomada para “proteger” a criança.
Washington afirmou que a devolução de Maikelys não foi fruto da negociação do governo de Nicolás Maduro, mas de uma decisão judicial.
“A menina em questão foi repatriada para a Venezuela por ordem judicial. O ICE está deixando para o governo venezuelano a tarefa de determinar se a menina está com a mãe ou sob custódia do governo, mas pelo menos sabemos que ela não estará com o pai, um membro do Trem de Aragua, que administrava uma casa de tortura e supervisionava homicídios, tráfico de drogas, sequestros, extorsão e tráfico sexual para a gangue criminosa”, disse o DHS em publicação nas redes sociais.
Marcha celebra
Milhares de venezuelanos foram ao centro de Caracas para comemorar o retorno da jovem. O caso ganhou proporção nacional desde o final de abril. Os manifestantes carregavam cartazes dizendo “queremos nossos jovens de volta”, lembrando que ainda há 252 venezuelanos presos em El Salvador e outras crianças separadas dos pais nos EUA.
Maria Fernandez é tia de Maikelys e irmã de Maiker Espinoza Escalona. De acordo com ela, a devolução da criança é uma vitória para a família, mas ainda falta a volta de seu irmão que está “preso injustamente” em El Salvador.
“Eles foram separados à força e a criança ficou em um abrigo, mas não foi avisado nada para ninguém de onde ela estava. Os pais podiam se ver, mas não podiam se falar. Essa era a única comunicação que eles tinham. Aí ele foi levado para outro centro de detenção. Precisamos urgentemente da volta dele. Não é justo o que eles fizeram com ele, que era um trabalhador”, disse ao Brasil de Fato.
Ela participou da marcha na capital venezuelana nesta quinta e agradeceu a ajuda do governo da Venezuela, que, para ela, foi fundamental nessa operação. Maduro também discursou e disse estar empenhado no retorno dos outros venezuelanos.
“Hoje, mais do que nunca, a família venezuelana está mais forte, trabalhando duro, superando a guerra econômica. Aqueles que quiseram separar a família venezuelana, aqueles que a perseguiram, foram a extrema direita, mas nós seguimos firmes, fortes, sempre defendendo e protegendo a família. Estamos comprometidos em reunir as famílias venezuelanas que foram separadas”, disse.
Deportações em massa
Durante a campanha eleitoral, Donald Trump anunciou uma política anti-imigratória com o objetivo de expulsar migrantes irregulares dos EUA. Para deportar venezuelanos em El Salvador, Trump usou a Lei de Inimigos Estrangeiros, alegando que pertenciam ao Trem de Aragua, sem apresentar provas. Maduro questionou a falta de direito de defesa dos deportados.
Em abril, El Salvador propôs trocar 252 presos venezuelanos por 252 presos salvadorenhos, mas a Venezuela rejeitou a proposta. A Suprema Corte dos EUA suspendeu as deportações após um pedido da ACLU, que processa o governo pelas deportações. A Casa Branca concordou em suspender as deportações, mas pediu o fim da suspensão.
Um tribunal federal impediu o fim do Status de Proteção Temporária (TPS) para 350 mil venezuelanos. Em março, Caracas voltou a receber deportados dos EUA após um acordo com Richard Grenell. Após um desacordo sobre a licença da Chevron, a Venezuela suspendeu as deportações, mas os governos retomaram o acordo posteriormente.