A esquerda brasileira aderiu ao discurso de que os movimentos dos setores mulheres, negros e LGBTQIA+ são identitários. Essa é análise da ex-deputada federal Manuela D’Ávila e de Guilherme Terreri, mais conhecido como a drag Rita von Hunty, que participaram da mesa Identitarismos e lutas de classes, ao lado do psicanalista Douglas Barros, na manhã deste sábado (17), na Festa de Aniversário de Marx, da editora Boitempo.
O conceito de identitarismo traz a ideia de grupos sociais que compartilham uma determinada identidade e, por isso, possuem interesses, perspectivas e demandas em comum. No entanto, o termo ganhou outros aspectos na disputa política e foi deturpado pela direita, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Para Douglas Barros, o identitarismo não deve ser entendido como uma simples escolha política de indivíduos ou grupos.
Barros critica a visão dos autointitulados críticos desse conceito, muitos dos quais ligados à extrema direita, para quem o identitarismo seria um ato deliberado daqueles que supostamente visam “destruir o universalismo” e busca “privilégios”. Essa crítica, segundo Barros, busca restabelecer a fé na falsa universalidade burguesa e defender o Estado Democrático de Direito, culpando as identidades excluídas pelo mal-estar social.
“Quando a gente pensa em universalidade, a gente tem que questionar qual estamos pensando. Esse universal que organiza a luta de classes é excludente e abstrato. Para que uma grande massa compartilhe dele, tem que negar a si própria”, afirmou durante o debate deste sábado.
“É o universal do capital baseado na exclusão, organizado historicamente na súmula dos direitos humanos. Tem um corte muito específico. A gente começa a questionar como esse universal é usado para refrear lutas transformadoras. Essa reivindicação de um universal é a reivindicação da mesma ordem”, explica Barros.
O problema ganha outros aspectos quando a esquerda toma para si esse discurso, na análise de Manuela D’Ávila. Em suas palavras, a esquerda tem se focado em debates de costumes e identitarismo, próprio da direita, ao invés de abordar as questões existenciais que afetam o cotidiano da classe trabalhadora. Ela enfatiza a importância de entender o território atual e os desafios enfrentados por diferentes grupos, como mulheres e pessoas negras, para construir uma agenda “transformadora”.
“A esquerda aceitou facilmente que as mulheres organizadas, os negros organizados e a população LGTBQIA+ organizada é a razão dos problemas que enfrentamos na realidade. Passa a ser costume discutir a violência de mulheres e o racismo que extermina homens negros”, diz. “O debate que a direita faz é comportamental. Nós paramos de perceber como fundamental aquilo que atravessa a classe trabalhadora, porque foi fácil setores tão majoritários da esquerda dizerem que isso e aquilo é identitarismo.”
A ex-deputada federal acredita que a esquerda perdeu força no debate político na sociedade porque deixou de disputar valores dentro da classe trabalhadora, e não simplesmente porque passou a disputar valores.
“Uma coisa da política muito concreta que vem à minha cabeça quando surge o debate da agenda universal na esquerda, que é a razão pela qual creche nunca fez parte da agenda universal da esquerda brasileira, mesmo sendo aquilo que faz com que a maior parte das mulheres pretas façam a sua adesão ao “empreendedorismo” e, em última instância, acabe nos tempos evangélicos”, afirma D’Ávila.