Na última sexta-feira (16), dois integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e trabalhadores da comunidade tradicional de Fundo e Fecho de Pasto de Brejo Verde, no município de Correntina, na Bahia, foram presos de forma arbitrária no Rio de Janeiro. Solange Moreira Barreto e Silva e o marido, Vanderlei Moreira e Silva, estavam viajando a passeio quando foram detidos pela Polícia Federal ao desembarcarem no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro.
O casal, que planejou a viagem para a capital fluminense por três anos, não sabe a motivação da prisão. O processo segue em segredo de justiça.
A Defensoria Pública do Estado do Rio está acompanhando o caso. Na última segunda-feira (19), ocorreu a audiência de custódia. Ao Brasil de Fato, o órgão informou que “a prisão foi um cumprimento de um mandado de prisão expedido na Bahia, e o juízo da audiência de custódia do Rio manteve a prisão preventiva.” O indicativo é que o caso siga pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), na Vara de Jurisdição Plena da Comarca de Coribe.
Por meio de nota, o MAB denuncia que, além de Solange e Vanderlei, outros quatro trabalhadores estão com mandados de prisão em aberto e não sabem a razão das acusações. As advogadas que acompanham o caso estão, desde sexta-feira (16), requerendo ao Judiciário, Comarca de Coribe, habilitação no processo, pedido que vem sendo negado, tendo sido realizada a audiência de custódia sem que os representantes legais dos fecheiros tivessem acesso aos autos dos processos, o que configura violação de direitos fundamentais à ampla defesa, contraditório e informação.
“Todas essas pessoas são reconhecidas historicamente na região pelo compromisso com a defesa dos territórios tradicionais, das águas, dos direitos humanos e da vida. Trata-se de uma prisão política e de criminalização das comunidades que lutam contra a grilagem de terras e expropriação dos territórios na região oeste da Bahia”, destaca a nota do movimento.
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O Brasil de Fato procurou a Comarca de Caribe para saber do andamento do caso. O órgão não respondeu até o fechamento da reportagem.
Conflito agrário
As comunidades de Fundo e Fecho de Pasto do oeste da Bahia são reconhecidas como povos e comunidades tradicionais pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) e se destacam por práticas sustentáveis de uso coletivo da terra, como a criação extensiva de gado em áreas comuns, o manejo tradicional do fogo e a proteção de nascentes que contribuem para a preservação da sociobiodiversidade.
A comunidade de Fundo e Fecho de Pasto de Brejo Verde tem sido alvo constante de violência. Além das prisões de trabalhadores, recentemente, o rancho da comunidade foi destruído e queimado, houve invasões policiais sem mandado judicial, com ameaças e violência psicológica contra os moradores.
Os episódios são parte de um contexto mais amplo de criminalização das comunidades tradicionais que lutam contra a grilagem de terras e a expropriação de seus territórios por empresas do agronegócio. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o município de Correntina é o mais conflitivo da Bahia, com 132 ocorrências registradas entre 1985 e 2023.
“Há mais de 30 anos, essas comunidades reivindicam ao estado da Bahia que essas terras sejam destinadas para as famílias de forma legal e que esse reconhecimento possa inibir a grilagem e o desmatamento. A forma como o agronegócio tem se apropriado do oeste da Bahia é predatória e cruel, retira a água, impermeabiliza o solo. A realidade dos camponeses é de uma insegurança”, relata Julita Carvalho da equipe da CPT da Bahia à reportagem.
O Coletivo dos Fundos e Fechos de Pasto da Bacia do Rio Corrente, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Comissão Pastoral da Terra (CPT-BA), a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais da Bahia (AATR/BA), a Campanha Nacional contra a Violência no Campo, Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (Renap) e a Escola de Ativismo estão atuando em conjunto para denunciar o caso e assegurar a ampla defesa dos trabalhadores.