Com o avanço das ações penais no Supremo Tribunal Federal (STF), a maioria do chamado “núcleo 3”, formado principalmente por militares, passou a figurar entre os réus na tentativa de golpe para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder após a derrota em 2022. Para a cientista política Luciana Santana, professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), essa nova etapa dos julgamentos representa um marco importante na democracia.
“Diferentemente do período de 1964 a 1985, hoje vivemos num Estado Democrático de Direito, onde o papel constitucional das Forças Armadas é muito bem delimitado”, afirma Santana, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. “Isso precisa ficar claro para entendermos esse novo momento em que esses militares estão sentando no banco dos réus.” O núcleo 3 é o primeiro grupo de oficiais a enfrentar a Justiça por atentar contra o Estado Democrático de Direito desde o fim da ditadura militar.
Segundo a cientista política, o andamento célere das ações até agora dá indicativos de que “os próximos meses serão intensos” e já devem trazer um resultado do processo. “Pode ser que tenhamos novas surpresas. Depoimentos podem revelar mais a fundo como foi arquitetado, financiado e planejado o golpe, além de contribuir para a responsabilização dos envolvidos.”
“É um momento em que passamos a efetivamente escutar esses réus, com a oportunidade também deles se defenderem. Já existe uma acusação formal, que foi acatada pelo STF, e agora passamos ao processo legal”, explica.
Na sua visão, responsabilizar quem planejou e financiou os atos é fundamental para garantir a democracia. “A propagação da desinformação pode causar danos muito perversos. […] O mais importante é garantir que esse núcleo duro, estruturado em cinco subnúcleos, possa ser responsabilizado tanto quanto aqueles que participaram diretamente dos atos no dia 8 de janeiro.”
Decisões individualizadas reforçam equilíbrio do processo
Na visão da professora, a decisão do STF de não tornar réus dois dos militares denunciados pela PGR, o coronel da reserva Cleverson Ney Magalhães e o general Nilton Diniz Rodrigues, mostra que o Supremo está atento à individualização das condutas.
“Não é porque tínhamos vários militares [envolvidos na tentativa de golpe] que todos seguiram a mesma direção. Existe uma ponderação sobre qual foi a participação de cada um individualmente. Quando a corte deixa claro que nem todos agiram da mesma maneira e, por isso, nem todos devem ser responsabilizados da mesma forma, mostra que há um esforço de atuar com justiça”, esclarece.
Para ela, esse cuidado é essencial para que o julgamento não se transforme em um processo movido por pressões externas ou vaidades políticas. “A norma vale também para balizar as decisões desses atores. Eles são agentes do Estado e precisam agir dessa maneira, e não de acordo com seus interesses pessoais.”
Congresso deve respeitar separação dos poderes
Questionada sobre os projetos que tramitam na Câmara dos Deputados propondo anistia ou redução de penas para os envolvidos nos atos golpistas, Luciana Santana defende a independência dos Poderes e alerta para os riscos de interferência política sobre o Judiciário. “O STF não pode agir sob pressão, nem do Legislativo e muito menos da sociedade. Ele precisa ter seu papel muito bem definido.”
Ainda assim, ela aponta que, com o avanço das investigações e o mapeamento de diferentes níveis de participação nos crimes, será possível distinguir o peso das responsabilidades. “Não é justo que alguém que arquitetou o golpe tenha uma pena menor do que quem foi lá depredar prédio público. É preciso buscar um equilíbrio e reconhecer que a força de quem estava à frente, comandando, planejando, é muito maior.”
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