No último mês, o Panamá tem enfrentado um dos ciclos de protestos e mobilizações sociais mais significativos das últimas décadas. Quase diariamente, centenas de pessoas têm ido às ruas em todo o país para rejeitar as principais medidas adotadas pelo atual governo de José Raúl Mulino. Enquanto isso, distante de qualquer tentativa de diálogo, o Executivo respondeu até agora com uma escalada crescente de repressão.
A greve geral por tempo indeterminado teve início no dia 23 de abril, liderada pelo setor da educação, em protesto contra a reforma regressiva do sistema de previdência — a revogação da Lei 462. A mobilização se espalhou rapidamente por todo o país, incorporando não apenas novos setores, mas também outras pautas diversas. Atualmente, participam do movimento o poderoso sindicato dos trabalhadores da construção civil (SUNTRACS), trabalhadores rurais — especialmente ligados à indústria bananeira —, povos indígenas, estudantes e várias organizações da sociedade civil.
A reforma do sistema previdenciário foi uma das principais promessas do governo Mulino, após as duas administrações anteriores fracassarem em implementá-la. Desde seu anúncio, em novembro do ano passado, sindicatos e movimentos sociais têm realizado uma série de protestos, denunciando que suas propostas foram ignoradas e que o texto final da reforma atende exclusivamente aos interesses do empresariado.
A rejeição à reforma da previdência é imensa. Segundo pesquisa recente realizada pela DoxaPanama, 82% da população panamenha se opõe à reforma do sistema de seguridade social.
No entanto, o estopim da indignação popular foi o recente acordo assinado de forma unilateral entre o governo panamenho e os Estados Unidos. O anúncio foi feito em 10 de abril, após o governo Mulino autorizar o envio de tropas e a ampliação da presença militar estadunidense em território panamenho — tudo isso sem passar por debate no Parlamento ou por qualquer consulta pública.
Sindicatos e movimentos sociais acusam o governo de agir às escondidas da população e abrir mão da soberania nacional. Ao mesmo tempo, a crescente insatisfação popular se refletiu diretamente na queda da popularidade do presidente Mulino, cuja taxa de desaprovação chegou, no fim de abril, a quase 70% da população.
Um sistema previdenciário ainda mais injusto
A Lei 462, aprovada sem consulta popular ou debate no Parlamento, promove uma transformação radical no sistema previdenciário panamenho. A principal mudança é a substituição do modelo de solidariedade intergeracional — no qual os trabalhadores ativos financiam as aposentadorias dos atuais beneficiários — por um esquema de contas individuais.
Para o governo de José Raúl Mulino, a reforma é necessária para salvar um sistema supostamente à beira do colapso. Já para sindicatos, analistas e organizações sociais, trata-se de uma privatização disfarçada da previdência pública.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o líder do sindicato dos professores, Diógenes Sánchez, destaca “com a legislação anterior, podíamos nos aposentar com 60% a 70% do nosso salário. Agora, com a nova fórmula, esse valor cai para apenas 30% a 35%. É uma pensão de fome.”
“Essa mudança afeta principalmente os mais jovens. Todos os homens com menos de 55 anos e todas as mulheres com menos de 50 são obrigados a migrar para o novo sistema, que não garante nenhum tipo de estabilidade nem dignidade na velhice” alerta.
Um país militarizado
Diante da crescente agitação social, o governo Mulino respondeu com uma escalada repressiva. O país encontra-se praticamente militarizado: forças policiais com equipamentos antimotim foram posicionadas em terminais de transporte, universidades, comunidades rurais e centros comerciais.
Diógenes Sánchez denuncia que a Polícia Nacional tem invadido escolas, exigido dos diretores listas com os nomes de grevistas e realizado buscas ilegais nas casas de líderes sindicais.
“Na prática, estamos vivendo sob um estado de sítio não declarado. Estamos submetidos a um processo de militarização conduzido pela própria Polícia Nacional, que ao longo do tempo se transformou em uma força de caráter militar — especialmente a partir de sua atuação no âmbito do projeto migratório. Essa transformação foi gradual, mas, na prática, a polícia passou a ser utilizada como instrumento de repressão e perseguição ao povo panamenho”, afirma.
Nesse contexto de intensa perseguição, Saúl Méndez, líder do SUNTRACS, solicitou formalmente asilo à Bolívia, denunciando estar sendo perseguido por agentes à paisana em veículos sem identificação e recebendo ameaças à sua integridade física.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Méndez afirma que a resistência à presença militar dos EUA no Panamá tem sido uma constante na história de luta do povo panamenho, e que eles não estão dispostos a desistir dessa luta.
“Por mais de cem anos, o povo panamenho tem combatido a presença militar dos EUA para recuperar o canal e exercer plenamente sua soberania. Isso sempre foi uma constante em nossa história. Por fim, conseguimos a retirada das tropas norte-americanas, a devolução do canal e a recuperação das áreas adjacentes”, declara.
Ele acrescenta que, apesar de “os problemas persistirem”, um dos principais é que “cinco famílias ricas historicamente controlaram o canal, fazendo negócios, desviando recursos e se beneficiando às custas do povo”. Contudo, ressalta que “esse é um assunto interno, que cabe a nós, panamenhos, resolver”.
As províncias de Veraguas, Bocas del Toro e Chiriquí têm sido epicentros da repressão. Nessas regiões, as comunidades indígenas denunciaram invasões violentas, detenções arbitrárias e até desaparecimentos. Enquanto isso, os sindicatos denunciam o cancelamento do seu status legal, a invasão das sedes sindicais e o congelamento de suas contas bancárias.