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Bella Gonçalves

Após anos de sucateamento, Zema quer destruir UEMG, Rede Minas e Rádio Inconfidência

Mulher, lésbica, lutadora pelo direito à cidade e deputada estadual de Minas Gerais (PSOL).
Sem consultar o povo e a comunidade acadêmica, governo coloca a universidade em uma encruzilhada

Já viu jabuti com pele de cordeiro? E governador caloteiro? Em Minas Gerais tá cheio. No dia 7 de maio fomos pegos de surpresa na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O vice-governador Matheus Simões afirmou, em reunião com deputados estaduais, que ele e Zema pretendem entregar para o governo federal a Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e a Rede Minas de Televisão e a Rádio Inconfidência (que compõem a Empresa Mineira de Comunicação). Tudo isso em troca de diminuir um pouco a dívida do Estado com a União, que já chega a quase R$ 170 bilhões. Tudo isso sem consultar o povo e nem a comunidade acadêmica.

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A grande questão é que não temos garantia nenhuma de que essas instituições serão mantidas em suas funções originais. Como ficará o direito do nosso povo à comunicação pública, o direito dos estudantes mineiros à educação superior gratuita e de qualidade e o direito dos trabalhadores que dão a vida para manter essas entidades de pé? 

Propag

A proposta de federalizar essas instituições foi mencionada por Simões no meio da apresentação do pacote com os 14 projetos que o governo elaborou para compor o Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados (Propag). Também estão na lista de federalizações outras entidades, como a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), além de uma grande lista de imóveis estaduais. 

Simões esteve na ALMG porque o governo Zema precisa da autorização dos deputados para realizar essa transferência. Os projetos do executivo devem ser debatidos por nós, parlamentares, até outubro, para definir como ocorrerá o ingresso de Minas ao Propag, que vai refinanciar o débito com a União. 

O Propag vem substituir o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), de Temer e Bolsonaro, que é infinitamente pior. Lutamos contra o RRF pois ele previa o congelamento de salários, o fim dos investimentos públicos, e a porteira aberta para privatizações, tudo isso só para pagar parte dos juros da dívida, que no final de 30 anos seria maior do que é hoje. O Propag, por sua vez, resolve o problema, liquidando a dívida. Nós derrotamos o RRF com muita luta legislativa, sindical e popular.

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É importante dizer que o Propag só vai ser possível depois de muita articulação do Democracia e Luta, nosso bloco de oposição a Zema na ALMG, e com a parceria do presidente da Casa, Tadeu Leite (MDB). Conquistamos a troca do RRF pelo Propag após muito debate, em audiências públicas, seminários e reuniões em Brasília, com membros do governo Lula: o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o senador Rodrigo Pacheco. 

Este programa do governo federal, que é uma espécie de “Desenrola Estados”, vai representar uma economia de mais de R$ 300 bilhões com relação ao RRF, que era defendido de forma ferrenha por Zema e sua turma da extrema-direita. O Propag prevê a possibilidade de  pagamento da dívida com a federalização de empresas, ativos e bens estatais, além de investimentos no próprio estado em áreas como educação, segurança  e saneamento. 

Ou seja, Lula está abrindo mão de receber dinheiro que Zema está devendo à União para salvar Minas e garantir que possamos voltar a ter investimentos em áreas estratégicas para o povo. É impressionante a diferença entre um presidente que pensa na população e um governador empresário que só enxerga dinheiro e poder. Ele aumentou a dívida em mais de 50% e foi o único governador da história de Minas que não pagou nenhuma parcela durante seis anos, mas durante esse tempo aumentou seu próprio salário em 300% e os benefícios dos seus amigos empresários com as isenções fiscais, que eram de 1% a 2% da receita corrente líquida e hoje representam 10%, quase R$ 22 bilhões nas mãos dos amigos do rei. 

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UEMG: educação pública em risco 

Esta proposta do governo Zema de acrescentar a UEMG no Propag coloca a universidade, a União e o povo em uma encruzilhada, como quem diz: “ou o governo federal aceita os imóveis da universidade ou o governo de Minas vai ‘ser obrigado’ a privatizá-la”. Além de causar insegurança jurídica, essa transferência para o governo federal pode fazer com que a universidade perca a autonomia. 

A Associação dos Docentes da Uemg (Aduemg) emitiu uma nota dizendo que a Lei Complementar 212/2025, que instituiu o Propag, não contempla a possibilidade de transferência de autarquias estaduais para a União, considerando-a como uma proposta inconstitucional. E não podemos esquecer que a educação é direito de todos e dever do Estado e que as universidades não podem estar aos mandos e desmandos dos desgovernos, uma vez que, constitucionalmente, gozam de autonomia didático-científica e administrativa, incluída a gestão financeira e patrimonial, tendo em vista o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

A tentativa de federalizar UEMG e EMC é uma casca de banana, um boicote à seriedade do Propag e uma forma de abrir brechas para futuras privatizações no nosso Estado, por outras vias, mas da mesma forma antidemocrática como Zema tem tentado privatizar Copasa e Cemig, derrubando a obrigatoriedade da realização de um referendo. O povo precisa ser consultado. Está na lei, mas Zema não se incomoda com isso. 

O governador também não se importa com o acesso do nosso povo à educação. A UEMG garante hoje o ensino superior para 22 mil estudantes e conta com uma comunidade acadêmica de aproximadamente 2,3 mil servidores docentes e administrativos. Atualmente, a instituição oferta 37 cursos diurnos e noturnos de graduação, 3 doutorados, 9 mestrados e dezenas de cursos de especializações.

Com sede em Belo Horizonte, a UEMG também está presente em outros 18 municípios do interior, com prédios distribuídos em várias regiões, como Divinópolis, na região Centro-Oeste; Barbacena, no Campo das Vertentes; Poços de Caldas e Passos, no Sul de Minas; Frutal, no Triângulo Mineiro; e Diamantina, no Vale do Jequitinhonha.

Os imóveis que o governo quer entregar são essenciais para pensar a ampliação de suas unidades, em trabalhos de pesquisa, moradia estudantil e a construção de restaurantes universitários, que ajudam a impedir que estudantes vulneráveis deixem os estudos. 

Infelizmente, nos últimos anos, sob Zema, faltam recursos para assistência estudantil, para projetos de extensão e até para a manutenção de espaços universitários. Em 2024, o governador cortou R$ 100 milhões do orçamento da universidade, gerando o cancelamento de atividades e projetos diversos, além de 50% das bolsas estudantis. O sucateamento afeta também as carreiras e salários. A defasagem salarial chega a 72% no caso dos professores e a mais de 84% para técnicos e analistas. Já para os servidores técnicos e os analistas, a defasagem salarial chega a 84,82%, consideradas as perdas acumuladas de 2014 até os dias de hoje. 

Para se ter uma ideia, em 2013, a UEMG atendia cerca de 5,2 mil alunos e possuía orçamento de R$ 202 milhões. Hoje, o orçamento é de R$ 444 milhões, pouco mais que o dobro, mas para oferecer educação de qualidade para quatro vezes mais estudantes, que chegam hoje a 22 mil.

Ao contrário de empresas como a Codemig, que é superavitária, a UEMG não é uma empresa, é um serviço. Mas Zema só fala a língua das empresas, do lucro acima de tudo e de todos nós.

Desmontar para privatizar


Ao invés de governar para o povo, Zema e Simões querem fazer um desmonte ainda maior, usando o patrimônio dos mineiros, em seu favor, para abater a dívida que ele fez e agora quer jogar a responsabilidade no colo de Lula. O governador e seu vice não pagaram nem uma parcela ao governo federal e sucatearam serviços públicos para colocar em prática o seu plano de privatização. Deixaram a saúde em colapso, a educação desvalorizada, as estradas destruídas e a segurança pública abandonada.

Sob este desgoverno, a dívida de Minas aumentou R$ 28 milhões por dia, chegando a R$ 173,36 bilhões. Isso, lembrando, depois de Zema aumentar o próprio salário e de seus secretários em 300% e dar isenção de impostos para amigos empresários que já alcançam a cifra dos R$ 22 bilhões. Por que ele não corta essa mamata? Com dois anos, daria pra pagar os 50% iniciais da dívida. Mas é isso… prioridades. 

Ao invés de realmente colocar “Minas nos trilhos”, Zema e Simões só pensam nas próximas eleições para presidente e governador e em beneficiar seus amigos ricos, como o dono da Localiza. E o povo? Por aqui seguiremos lado a lado da população exigindo que seja garantida a participação da sociedade neste debate.

EMC e o ataque ao direito à comunicação  


E não podemos deixar de falar da EMC, que é a empresa responsável pela gestão de veículos de comunicação pública de Minas, como a Rádio Inconfidência, a Rede Minas e o canal de streaming Minasplay. Até então vinculada à Secretaria de Estado de Cultura e Turismo, a empresa está na Secretaria de Comunicação Social desde 2023, após reforma de Zema. 

A transferência da EMC para a União também me preocupa. Afinal, qual será a função desses veículos de comunicação para a União – tendo em vista que veiculam conteúdos estaduais? Comunicação é um direito e não podemos deixar o povo mineiro sem informação, inclusive sobre seus direitos. É importante lembrar que Rede Minas e Inconfidência são transmitidas em todo o estado, permitindo, por exemplo, que pessoas que só têm acesso à TV aberta possam ver notícias regionais, feitas de mineiros para mineiros. 

É por isso que precisamos nos mobilizar em massa para defender nossa comunicação pública e nossa educação estadual de qualidade, que promove tanto desenvolvimento em várias regiões do estado. 

E, voltando ao Propag, é evidente que avançamos ao conseguir a troca do RRF pelo programa do governo federal. Ainda assim, o tempo será curto para debatermos cada detalhe, e o faremos com muita atenção e responsabilidade. As discussões já começaram e alguns projetos deverão ser votados até 30 de junho. Outros até 30 de outubro. 

Para garantir a participação do povo, propusemos audiências públicas sobre os projetos apresentados pelo governo de Minas e vamos seguir mobilizados, junto de sindicatos, entidades estudantis e toda a comunidade acadêmica da UEMG, dos trabalhadores da EMC e do povo mineiro.  Não podemos deixar que Zema engane o povo mineiro com essa jogada entreguista. A UEMG e a EMC são nossas! 

Bella Gonçalves é uma mulher, lésbica, lutadora pelo direito à cidade e deputada estadual de Minas Gerais (PSOL).

Leia outros artigos de Bella Gonçalves em sua coluna no jornal Brasil de Fato MG.

Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

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