A oposição venezuelana usou muitas ferramentas para tentar chegar ao poder em 2024. Fez campanha de rua, questionou os resultados, articulou atos violentos e buscou apoio internacional para tentar um golpe de Estado. Todas essas tentativas falharam e a direita chega para mais uma eleição neste domingo (25) dividida e com sua principal força isolada.
O racha na direita ficou claro desde o começo do ano. Logo em janeiro, a ex-deputada ultraliberal María Corina Machado anunciou que seu grupo, Plataforma Unitária, não participaria do pleito. E não parou por aí. Ela pediu que as pessoas não votassem e adotou o lema “Eu já votei em 28 de julho” -fazendo referência a data das eleições presidenciais de 2024.
A estratégia, no entanto, não foi abraçada por toda a oposição e nem mesmo por alguns de seus antigos aliados. O principal deles é o ex-deputado e ex-governador de Miranda, Henrique Capriles. Ele foi candidato à presidência por duas vezes, em 2012 e 2013 e perdeu as duas. No entanto, isso fez com que Capriles se tornasse uma liderança na extrema direita do país.
Ele esteve ao lado de María Corina nos últimos anos, mas, agora, não só não aderiu a abstenção como é candidato a deputado em Miranda e afirma que é preciso participar das eleições para tentar derrotar o chavismo no voto.
Outro nome tradicional da direita e que já foi candidato presidencial é Manuel Rosales. Ele hoje é governador de Zulia e busca a reeleição para um segundo mandato. Seu grupo Un Nuevo Tiempo faz parte da coalizão Plataforma Unitária, mas decidiu participar da corrida eleitoral, o que isolou ainda mais o grupo que pede abstenção.
Rosales, no entanto, já havia rachado com María Corina durante a campanha presidencial. Ele entrou em uma queda de braço disputando para ser o candidato da direita, mas acabou desistindo. Agora, o Un Nuevo Tiempo levou candidatos para a disputa em todos os estados.
Os setores que vão participar das eleições não escondem a crítica. O deputado José Gregório da Ação Democrática afirma que, tanto o grupo que pede abstenção quanto a outra ala da extrema direita que vai votar apresentam inconsistências. De acordo com ele, os extremistas que pediram sanções e agora participam das eleições perderam credibilidade com a população.
O congressista entende que o governo não terá tantos votos, mas essa divisão favorece o projeto chavista.
“É uma estratégia errada da oposição que não sabe como enfrentar o governo. Me sinto incomodo que um setor chame abstenção de maneira reiterada. Um governo que não tem votos precisa que as pessoas não votem. E se votar, vote dividido. É exatamente esse o cenário hoje. Isso tudo favorece o governo e terá como consequência que um governo com poucos votos tenha maioria. Contra um governo como esse precisa votar unido”, disse ao Brasil de Fato.
A campanha nas ruas é tímida. Poucas marchas, cartazes e santinhos espalhados. Por parte da oposição, a estratégia foi focar nas redes e as manifestações populares foram pouco visíveis. Um dos motivos para isso é que, na Venezuela não há financiamento de campanhas por parte do Estado. O custeio de toda propaganda eleitoral é privado.
A aposta do setor de extrema direita na desmobilização tem como único intuito afirmar que, com uma abstenção expressiva, o governo fica deslegitimado. O problema é que o voto na Venezuela não é obrigatório e a participação nas eleições legislativas sempre é menor no país caribenho.
Essa também não é a primeira vez que os opositores embarcam nessa iniciativa. Em 2021 a extrema direita também pediu para que os eleitores “ficassem em casa” e apenas 42.26% dos venezuelanos foram votar. O resultado foi uma vitória chavista na Assembleia Nacional e em 19 governos estaduais.
Esse grupo acusa fraude nas eleições presidenciais de 2024, mas não apresentaram provas. Eles se apegam a uma lacuna deixada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) que, até hoje, não divulgou os resultados detalhados das mesas eleitorais do pleito que deu a vitória a Nicolás Maduro.
Para Eder Peña, pesquisador do Instituto Venezuelano de Investigações Científicas, o argumento de que o sistema eleitoral não é confiável acabou não se tornando uma tônica do debate público e perdeu espaço com o tempo nas discussões eleitorais. De acordo com ele, a direita não apresentou sequer um programa político para as eleições, o que tira a credibilidade dos candidatos com o eleitorado.
“Há uma desmobilização da oposição. Eles usam a narrativa de que o sistema eleitoral não é confiável. Eles encaram derrotas sucessivas que também impedem que eles ergam a cabeça para se organizar. A oposição tenta esvaziar a política. Eles não tem propostas, apontam um programa neoliberal, mas seus discursos têm sido focados em saídas milagrosas e saídas fáceis e contundentes que não são possíveis”, disse ao Brasil de Fato.
Nos últimos meses, uma das esperanças da oposição também não correspondeu às expectativas. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, começou a fazer uma pressão cada vez mais forte sobre a economia venezuelana, mas não ajudou com o financiamento desse grupo político.
A própria María Corina pediu mais sanções contra o governo venezuelano e disse que a estratégia de Trumo é “correta”. Nos últimos anos, o bloqueio da Casa Branca contra Caracas fez com que o PIB venezuelano encolhesse desde o início das medidas coercitivas unilaterais. O governo diz que o impacto foi de US$ 642 bilhões no PIB de 2015 a 2022. Para efeito de comparação, o PIB da Venezuela em 2023, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), foi de US$ 92,2 bilhões.
“Acredito que as decisões e a estratégia do presidente Trump são absolutamente corretas e eficazes. Já estão funcionando. Maduro está na posição mais fraca de sua história”, afirmou a deputada em entrevista à Fox News.
Para Peña, essa falta de apoio direto dos EUA para a oposição tem um impacto significativo na mobilização da extrema direita para essas eleições e na capacidade de fazer uma propaganda que seja efetiva contra o governo chavista.
“A transição para Trump também não ajudou muito a oposição. Não foi uma ajuda contundente. O setor da oposição que foi para as eleições também mostra que, sem o dinheiro dos EUA, não pode fazer nada. Rosales é um exemplo. Ele pode ganhar, mas não há um movimento forte em torno dele. O mesmo acontece com Capriles, que não consegue aglutinar essa força”, disse.
Como funcionam as eleições
As eleições vão eleger 24 governadores e 285 deputados. Pela primeira vez, o Essequibo vai eleger congressistas e um chefe do Executivo estatal. Ao todo, 25 estados participam das eleições Legislativas. O Distrito Capital não tem governador, o que faz com que a disputa seja em 24 estados.
Para os governos estatais, a eleição é simples: ganha quem recebe mais votos. A distribuição do número de deputados na Venezuela se dá pelo número de eleitores de cada estado (ou departamento, em espanhol). Quanto mais eleitores, mais deputados. O Estado com maior representação é Zulia, com 25 deputados e 7 estados tem apenas 6 deputados, o menor número de representantes: Amazonas, Apure, Cojedes, Delta Amacuro, Nova Esparta, Vargas e Yaracuy.
Além dessa lista base, outros 48 deputados são eleitos pelo que é chamado de lista nacional, calculada nos votos recebidos por partido. Cada eleitor vota em um candidato e em um partido. Os votos nos candidatos são considerados votos nominais e o voto por partido entra no voto lista.
Ainda há a votação para prefeituras e conselhos municipais, que são como as câmaras de vereadores. Serão eleitos 335 prefeitos e 2.471 conselheiros em todo o país. A composição desses conselhos, no entanto, é bem menor. O município Libertador, no Distrito Capital, por exemplo, é um dos maiores municípios do país e tem apenas 13 conselheiros.
Disputam essas vagas 6.687 candidatos e candidatas em todo o país, sendo 53,93% são homens e 46,07% mulheres. Para este pleito, 54 organizações políticas estão inscritas, sendo 36 ao nível nacional, 10 regionais e 8 indígenas.
Ao todo, 21.485.669 eleitores venezuelanos estão aptos. De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), outros 196.824 cidadãos estrangeiros residentes no país têm direito a votar. Serão 15.736 seções eleitorais e 27.713 mesas divididas nestas seções.