A Floresta Nacional de Brasília (Flona), que protege cerca de 5,6 mil hectares de Cerrado e abriga nascentes vitais para o abastecimento hídrico do Distrito Federal, pode deixar de ser gratuita para visitantes. A mudança está prevista em uma proposta de concessão de serviços de visitação no período de 30 anos apresentada pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), que gerencia a unidade.
O plano, em consulta pública até 25 de maio, estabelece a cobrança de ingressos como parte da remuneração da futura concessionária: até R$10, no primeiro ano da concessão, para acessar a Flona, e R$ 34 para acessar as duas UCs, que estão localizadas próximas e conectadas por trilhas.
Atualmente, custa R$ 38 reais o ingresso inteiro para acessar o parque nacional e metade do preço para moradores do Distrito Federal – desconto que deixará de existir, segundo a proposta de concessão. A gratuidade para idosos acima de 60 anos e crianças até 12 anos também deixará de existir, dando lugar a um desconto de 50% do ingresso inteiro.
Está previsto na proposta que população de baixa renda com inscrição no CADÚnico poderá acessar a Flona gratuitamente, e assim como crianças menores de 6 anos, guias de turismo e grupos escolares. Descontos de 50% serão oferecidos para estudantes de escolas públicas, idosos com mais de 60 anos e pessoas com deficiência.
“A política de concessão é uma forma de ter apoio empresarial por meio de licitação que permite que as atividades de visitação tenham um incremento”, argumenta o presidente do ICMBio, Mauro Pires, ao Brasil de Fato DF.
Pires destaca que o projeto é de concessão de um determinado serviço dos parques, no caso o de visitação, e que se difere de um projeto de privatização, em que as Unidades de Conservação seriam transferidas integralmente ao parceiro privado.
A medida, no entanto, tem gerado reação de movimentos ambientais e comunidades do entorno, que acusam o órgão de excluir a sociedade do debate e de criar barreiras econômicas ao acesso à natureza.
A consulta pública, que inicialmente finalizaria em 45 dias, foi prorrogada para 25 de junho. Para participar, a população deve responder a um formulário disponibilizado no site do ICMBio, assinalando o tipo de contribuição que quer fazer – inclusão, exclusão ou alteração de item – e sobre qual documento do edital. Clique aqui para acessar o formulário.
“A cobrança pelo acesso às trilhas da Flona e do PNB vai limitar gravemente a oportunidade e o direito de muitas pessoas que visitam estes espaços”, diz manifesto endereçado ao presidente do ICMBio, Mauro Pires, construído por mais de 50 organizações da sociedade civil.

O texto, que reúne mais de 1.130 assinaturas até o momento, acrescenta: “Não houve participação efetiva da sociedade ou das comunidades próximas na elaboração dessa proposta”.
João Carlos Machado, integrante do projeto Caminhos do Planalto Central (CPC) — que realiza trabalho voluntário em parceria com órgãos como o Governo do Distrito Federal e ICMBio —, critica o formato da consulta pública: “Que consulta é essa em que o modelo já está fechado e nos restam apenas ajustes marginais? O processo é precário e desproporcional”.

A região do entorno da Flona é uma das mais populosas do DF, englobando Ceilândia, Taguatinga e Samambaia. Marcos Antônio de Souza, presidente da Comissão de Defesa do Meio Ambiente de Ceilândia, afirma que o aumento no fluxo de visitantes se deve justamente ao trabalho voluntário de sinalização e manutenção de trilhas feito pela própria comunidade vizinha.
“Fizemos a sinalização dessas trilhas, e agora vai ser cobrada a entrada. Quer dizer, a gente faz, e eles vão cobrar?”, questiona.
Estabelecida como Unidade de Conservação em 1999, a Floresta Nacional atraiu 100 mil visitantes em 2024, poucos meses antes de completar 25 anos de criação.
Laidy Armond, moradora de Ceilândia e frequentadora da Flona, relata que o contato com a natureza foi crucial para superar uma depressão em 2019. “A concessão é mais uma forma de racismo ambiental, excluindo quem não pode pagar”, afirma a também coordenadora do Coletivo Bosque Trevo da Amizade.
Chefe da Flona e da APA da Bacia do Rio Descoberto, Fábio Miranda, argumenta que a concessão é uma solução para a falta de orçamento para a manutenção do parque e argumentou que a proposta de concessão dos serviços de apoio à visitação é inicial e que deve ser amplamente debatida com a sociedade. “A participação popular ativa é a melhor forma de encontrarmos o caminho ideal para garantir a oferta de serviços de qualidade aos visitantes, a conservação da flora e fauna do Cerrado, e a preservação dos mananciais de água que abastecem a população do Distrito Federal”, observa.
Em nota, o ICMBio justifica a proposta citando “carência crônica de verba” para manutenção das unidades. Falta pessoal, recursos e equipamentos, afirma a entidade.
O órgão pontua ainda que o processo ainda está em discussão, com audiências públicas marcadas para 28 e 29 de maio. No entanto, críticos apontam que outras UCs concedidas, como Fernando de Noronha e Foz do Iguaçu, têm perfis distintos — são destinos turísticos, enquanto a Flona serve majoritariamente à população local.

O presidente do Condema de Ceilândia, Marcos Antonio, também destaca diferenças entre as UCs de Brasília com as UCs concedidas. “Aqui não é turismo, quem visita são pessoas que usam o local como meio de saúde, para fazer caminhada ou corrida. E tem os atletas do ciclismo que fazem seu treinamento duas, três vezes por semana. Quanto vão precisar pagar ao final do mês para poder fazer esse treino?”, questiona.
“Nós já temos uma dificuldade muito grande no esporte no Brasil, por falta de apoio, de financiamento, que as pessoas têm que trabalhar para poder manter seu esporte. E ainda agora vão ter que pagar até para poder treinar”, acrescenta Marcos Antonio.
Diante das controvérsias, o Ministério Público Federal (MPF) abriu um inquérito para apurar a regularidade da concessão. Enquanto isso, a tensão entre preservação, acesso público e financiamento permanece — um retrato do desafio de equilibrar conservação ambiental e inclusão social no Brasil.