Um ato contra o Projeto de Lei 2159/2021, apelidado de “PL da Devastação”, reuniu manifestantes, nesta terça-feira (27), em frente à Praça das Bandeiras, no Congresso Nacional, em Brasília (DF). A manifestação ocorreu simbolicamente no Dia da Mata Atlântica e contou com a participação de ambientalistas, movimentos sociais e organizações da sociedade civil que alertam para o que consideram o maior retrocesso legislativo ambiental da história do país.
O PL 2159, que tramita há anos no Congresso e agora está na Câmara dos Deputados, propõe mudanças significativas no sistema de licenciamento ambiental brasileiro. Entre as principais alterações, está a criação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permitiria o auto licenciamento de empreendimentos de médio porte por meio do preenchimento de formulários online, sem análise prévia dos órgãos ambientais.
“Se esse projeto de lei for aprovado, vamos viver o maior retrocesso legislativo da história desse país desde a Constituição. Teremos 40 anos de retrocesso em avanços muito importantes”, alertou Letícia Camargo, consultora de advocacy socioambiental do Painel Mar.

Comunidades tradicionais sob ameaça
Um dos pontos mais criticados pelos manifestantes é o tratamento dado às comunidades tradicionais pelo projeto. Segundo Camargo, a proposta estabelece que órgãos, como Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), não terão mais caráter vinculante no processo de licenciamento ambiental.
“Isso significa que os únicos que serão escutados são aqueles territórios que já são homologados, que já são reconhecidos”, explicou. “A gente tem inúmeras terras indígenas desse país que ainda estão em processo de reconhecimento. Então, os impactos que acontecerem nessas terras simplesmente serão ignorados”, observou.
A gestora ambiental também criticou o fato de o texto não mencionar outras categorias de povos tradicionais. “Os pescadores artesanais, enfim, todas as outras não são nem considerados. É um texto que nem cita a existência deles.”

Novas tragédias
Para a representante do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração Raiara Pires, o projeto representa uma ameaça real de repetição de tragédias como as de Mariana e Brumadinho. “O ano de 2025 marca 10 anos do crime socioambiental da Vale em Mariana. Essa é uma responsabilidade muito grande de defender o território e evitar que novas tragédias aconteçam”, declarou.

Pires destacou que o projeto inclui a grande mineração no seu escopo, o que ela considera “muito perigoso” em um contexto no qual “nós estamos falando de um modelo de licenciamento que é muito frágil e ele está sendo piorado”. Ela também questiona a lógica do auto licenciamento: “Como confiar em empresas que, no seu histórico, há crimes ambientais? A gente precisa de mecanismos mais eficazes do que a presunção da boa fé de criminosos”.
Outro aspecto que chamou atenção dos manifestantes é a ausência da palavra “clima” no texto do projeto. “Estamos vivendo uma emergência climática, estamos vivendo todo tipo de tragédia de norte a sul do país, com seca, com enchentes, com problemas graves, inclusive para economia”, pontuou Camargo.
O projeto prevê ainda a dispensa de licenciamento para atividades de agricultura e pecuária, além de uma lista de 13 tipos de empreendimentos de risco que passarão a não exigir licenciamento. A proposta também permite a renovação automática de licenças por meio de autodeclaração online, sem análise dos órgãos ambientais.
Mobilização em defesa dos territórios
Pires enfatizou que a luta contra o projeto vai além das questões ambientais, envolvendo também a participação popular nas decisões sobre os territórios. “Você coloca o poder da tomada de decisão na mão das empresas e as populações ficam excluídas, no entanto são as que sofrem os piores impactos”, afirmou.
“Nós sabemos que podemos reverter, sim, com a mobilização, com a luta e que é um trabalho árduo e que precisa de uma forte articulação do jornalismo crítico, de parlamentares críticos e dos territórios mobilizados em marcha nas ruas”, pontuou Pires.


