A cidade de Tenente Portela, na região que abriga o maior território de indígenas kaingangs do Rio Grande do Sul, desde a semana passada conta com um Ambulatório de Saúde Indígena. Situado no Hospital Santo Antônio, que há anos atende à comunidade, o estabelecimento é o segundo no estado dedicado à atenção primária da saúde indígena em todo o estado. A estimativa é de que até o final da atual gestão do governo estadual sejam inaugurados seis ambulatórios de saúde indígena.
“Esse ambulatório tem uma importância muito grande porque vai proporcionar que os nossos indígenas não precisem se deslocar para tão longe para tratar da saúde. O Hospital Santo Antônio é território indígena, território de povos, unificação de raças. Aqui nós não temos o preconceito, lutamos contra o preconceito aos povos originários”, afirmou a kaingang Regina Goj Téj Emílio, integrante do GT Guarita Pela Vida, durante a inauguração do ambulatório, na última quarta-feira (21).
Cacique kaingang da Terra Indígena Guarita, Valdones Joaquim recordou que, em 2001, houve um caso de desnutrição na reserva indígena, e que a existência de um ambulatório é uma conquista aguardada há muito tempo. “Esse momento é histórico para nós, um momento de muita alegria, que lideranças indígenas e não indígenas, mulheres lutaram junto para que a gente fosse atendido até aqui nesse momento, onde a nossa medicina indígena também vai fazer parte, nossa cultura está sendo valorizada também”, complementou o vice-cacique, Joel Silva.

Oficialização da prática
Conforme explicou a coordenadora do Ambulatório de Saúde Indígena, Regina Reggiori, a inauguração do serviço oficializa muitas práticas que já acontecem dentro do hospital. De acordo com ela, o hospital desenvolve práticas voltadas ao cuidado da pessoa indígena em todos os ciclos da sua vida.
“Aqui são permitidas integrações entre a medicina tradicional e a medicina da cultura dos povos originários. Esse ambulatório vem para formalizar para que necessidades de saúde sejam atendidas com maior agilidade. É um marco na história da saúde e também dessa casa que sempre teve um olhar muito voltado à população indígena. Nós estamos aqui, somos vizinhos do território, a terra indígena faz parte do município de Tenente Portela”, ressalta.
O ambulatório foi incluído no Programa Assistir em dezembro de 2024, por meio da Portaria SES 688/2024. Em janeiro de 2025 foram habilitados os dois primeiros serviços no estado: um no Hospital São Vicente de Paulo em Passo Fundo, já em funcionamento, e outro no Hospital Santo Antônio, em Tenente Portela.

De acordo com a Secretaria Estadual da Saúde (SES), as equipes atuarão de forma articulada com a Atenção Primária à Saúde e os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis), respeitando os saberes tradicionais, as especificidades culturais e os direitos dos povos indígenas. A iniciativa busca ampliar o acesso e promover o cuidado integral à saúde dessa população, contribuindo para a redução das iniquidades e o fortalecimento da política de equidade no Sistema Único de Saúde (SUS). Os ambulatórios contarão com parcerias com universidades, configurando-se também como espaços de formação e pesquisa.
Segundo informou a secretária da SES, Arita Bergmann, está previsto o repasse de R$ 70 mil mensais aos serviços habilitados, com o objetivo de viabilizar a contratação de equipes exclusivas para os ambulatórios e atender à demanda em diferentes macrorregiões do RS. “É um momento de celebração da vida, respeitando a cultura e o conhecimento no cuidado da saúde das pessoas indígenas. O ambulatório é fruto de um trabalho do governo do estado para atender uma reivindicação legítima dos povos indígenas e vai proporcionar equipe qualificada com profissionais indígenas para atender a região.”

Incentivo à saúde indígena
Presente ao ato, o secretário de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, Ricardo Weibe Nascimento Costa (Weibe Tapeba), reforçou que a inauguração só acontece graças à articulação das mulheres, da comunidade indígena, da Sesai e de todas as autoridades públicas. De acordo com o secretário, a Sesai juntamente com a Secretaria de Atenção Especializada tem como objetivo ampliar e modificar o Incentivo para a Atenção Especializada aos Povos Indígenas (Iaepi). “Hoje o Iaepi apoia os municípios e estados, habilitando os nossos hospitais, as nossas policlínicas, maternidades, Centros de Atenção Psicossocial (Caps), mas o recurso ainda é muito ínfimo, nó queremos ampliar isso.”
Weibe também mencionou sobre a implementação da rede Alyne (programa de cuidado integral à gestante e bebê), que será destinada às mulheres indígenas, e do lançamento recente da primeira Samu Indígena (serviço de atendimento móvel de urgência e emergência dedicado à população indígena). “Queremos sair desse governo entregando para a população indígena brasileira uma nova política, uma política que se baseie na linha do cuidado integral dos povos indígenas. Para isso a gente precisa apoiar, abraçar, ter o apoio também dos entes federais, dos estados e municípios”, concluiu.

Para o vice-prefeito de Tenente Portela, Claudenir Scherer (PT), quando se investe na comunidade indígena, quando se busca projetos sociais, jamais se verá situações como as vivenciadas em 2001, com a desnutrição de crianças indígenas. “Esse tem que ser o compromisso da nossa população de todo o país: reduzir cada vez mais as desigualdades sociais, respeitar a cultura indígena. Existe uma dívida muito grande de toda a população do nosso país com as populações indígenas.”
“Nós teremos médicos indígenas aqui dentro trabalhando, como já temos uma equipe enorme dentro do Hospital Santo Antônio que nos inseriu enquanto estudantes, enquanto profissionais de saúde. Que venham coletivos indígenas, coletivos não indígenas, que respeitem, que aceitem as nossas peculiaridades, as nossas diferenças tradicionais. Que a queima das ervas aqui na frente seja só um início, um marco. Queremos cheirar fumaça no Hospital Santo Antônio”, finalizou Emílio.