Quando Solange fala da dor,
ela não fala só da sua,
ela fala por nós.
Fala do território em disputa,
do Cerrado roubado,
das tentativas de calar a água
da vida que grita, como o farfalhar das araras nos pés de buriti,
no silêncio das cercas rompidas e ranchos queimados.
Ela fala de corpos e territórios,
Que eles querem transformar em mercadoria
onde o agronegócio pisa com botas sujas
deixando as marcas da injustiça
e onde resistir é o que resta
é o que pulsa, é o que vive.
O oeste da Bahia…
Ah, o oeste da Bahia não é o agronegócio
O oeste da Bahia não cabe só nos mapas
Cabe na memória viva das fecheiras
Na memória viva das atingidas e ribeirinhas
Lembro da voz de pai,
que contava histórias de Gerais sem cerca,
das idas até a divisa do Goiás
onde o gado caminhava livre
e dos homens e mulheres que sabiam o nome de todos os rios, riachos.
das plantas, dos bichos.
As crianças que sentavam nas porteiras
Pra ver o gado subir para os gerais
esperavam nas porteiras,
mas pelo retorno da festa do cerrado
os embornais cheios com frutas, raízes e histórias.
Eram tempos de onças e cobras,
mas não de medo —
de cuidado.
Depois, veio um medo novo.
Medo com nome de grileiro.
Medo com rosto de jagunço.
Medo que tem crachá do agronegócio
e cheiro de veneno.
A vida passou a ser vigília e resistência.
Eles queimam ranchos,
derrubam cercas,
e tentam apagar o que somos —
mas não conseguem.
Porque nascemos do chão, do território que eles querem tomar.
Porque resistimos em cada nascente cercada,
em cada árvore plantada,
em cada mulher reunida.
Solange e Vanderlei
Engrossam as fileiras de lutas
Organizam as comunidades
Vocês são nós,
como nós somos vocês.
Fecheiros, camponeses, atingidos, militantes
vocês bordam a resistência
E escrevem a história com mãos firmes
Por isso estão presos.
Não por crime,
mas por coragem.
Por ousarem defender a vida
onde o lucro quer semear a morte.
Mas saibam, companheiros:
vocês não estão sozinhos.
Tentaram calar Solange,
mil vozes se levantaram.
Se prendem Vanderlei,
mil corpos marcham.
Porque nós somos a semente que não morre,
somos a água que retorna,
somos a memória viva do Cerrado.
E Solange tem uma certeza que,
“Ser militante não é carregar uma cruz.
É viver a glória interior
de lutar pela liberdade
em seu sentido mais profundo.”
Em conversa com o filho ela disse que estava serena,
porque tem companheiros.
Porque sabe que do lado de cá,
há corações que batem no mesmo compasso da luta.
Solange — mulher de fé, de chão, de semente —
Sabe que não está sozinha
Quando há organização
Quando há sonho compartilhado,
Quando há militantes que não soltam as mãos
Ela confia.
Confia no povo que marcha,
na mulherada que se levanta,
nos jovens que cantam a liberdade
Eles confiam em nós.
Confiam em cada um de nós
E por isso, nós também dizemos:
Lutar não é crime.
Crime é grilar terra.
Crime é calar o rio.
Crime é prender quem protege a vida.
Hoje, é por vocês que dizemos com força:
Lutar não é crime!
Solange livre!
Vanderlei livre!
*No dia 16 de maio, Solange Moreira Barreto e Silva, camponesa, fecheira, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e agente comunitária de saúde, e seu esposo, Vanderlei Moreira e Silva, camponês e fecheiro, estavam viajando a passeio quando foram detidos no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro (RJ), sem informações sobre acusação contra eles. Solange e Vanderlei são moradores da comunidade tradicional de Fundo e Fecho de Pasto de Brejo Verde, em Correntina, no oeste da Bahia, território cuja população, desde a prisão do casal, tem sofrido diversos ataques e ameaças. Diante desse cenário, movimentos e organizações populares em todo o Brasil têm denunciado a criminalização da luta popular, o aumento da violência no campo e exigido a liberdade imediata dos atingidos e fecheiros.
**Cleidiane Barreto (Preta) é do Fecho de Pasto de Clemente e do Movimento dos Atingidos por Barragens
***Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.