“Da favela de BH para o mundo”. A frase em tom comemorativo é um marco para a história do projeto Visão de Cria, criado na periferia de Belo Horizonte, que agora foi pré-selecionado para o festival Mate, uma exposição em Coimbra, Portugal.
A iniciativa nasce de uma ideia que até parece simples, mas reserva uma grandiosidade que vem transformando a vida de jovens belo-horizontinos.
O Visão de Cria une a arte ao empreendedorismo e oferece oficinas gratuitas de capacitação para fotografia e para o audiovisual, o que permite que a juventude possa contar suas histórias e representar suas comunidades de forma autêntica e empoderadora.
Os encontros acontecem aos fins de semana na Associação dos Moradores do Aglomerado Cabana (Asmac), no bairro Cabana do Pai Tomás. Ali, os estudantes aprendem de forma horizontal, ou seja: além de compreender teoria e prática, são livres para também compartilhar suas perspectivas sobre o que é construir uma narrativa fílmica.
É o que reforça Renata Assis, cineasta, educadora e uma das idealizadoras da proposta, para quem o cinema continua sendo espaço de transformação, há mais de 10 anos.
“Acredito muito no poder da narrativa. E a narrativa do cinema periférico é muito forte”, conta.
“Eu acho que a gente está vivendo um momento onde a periferia finalmente está começando a ganhar voz e, quando a gente estrategicamente arma essas pessoas periféricas de uma linguagem que é universal, a gente consegue fazer uma transformação real na vida dessas pessoas. O cinema tem a possibilidade de entregar para cada indivíduo a sua própria narrativa, o poder de poder contar a sua história”, continua.
Um outro olhar sobre a favela

Acima de tudo, o projeto quer oferecer um contraponto às produções “hollywoodianas”, que partem de uma visão mais ampla, para compreender essa outra, chamada de “visão de cria”, que é mais localizada.
O nome do projeto, portanto, serve para abarcar esse e outros sentidos: na oficina, a juventude pode assumir o protagonismo de sua própria história e mostrar o que está além do que é veiculado comumente na mídia, com a periferia sendo um lugar marginalizado e violento. Nesse sentido, a favela aparece em sua realidade, com lados negativos, mas também com sua expressiva face positiva.
“‘Crias’ são as pessoas que têm pertencimento sobre aquele lugar, sobre essa comunidade, essa favela. Então, você botar a sua visão no mundo é muito potente”, reflete Assis.
Um outro fator fundamental para existência do projeto é o empreendedorismo, que pode, na visão dos idealizadores, proporcionar ascensão social aos participantes. Como explica Filipe Saboia, um dos criadores da iniciativa.
“Você consegue ver a evolução de todos os membros que participaram do primeiro Visão de Cria. Com um conhecimento técnico maior, você começa a reparar que a pessoa começa a utilizar termos mais específicos da área. Então, isso aí já é um avanço”, explica.
Essa potencialidade se estende ao mercado de trabalho. Ao conquistar o empoderamento a partir da técnica, outras oportunidades se desenham.
“Tiveram dois jovens que conseguiram ingressar no mercado depois que eles trabalharam com a gente. Então, isso para mim já é um avanço social e financeiro, o que, de uma maneira ou de outra, compreende o que é uma das funções do Visão de Cria”, observa Saboia.
“Sabemos que o mercado de trabalho, nesse campo, é muito embranquecido, um mercado em que as pessoas que vêm de onde que a gente vem, que são da quebrada, não têm tanta abertura e condição”, argumenta.
Exemplos práticos
Essa união entre teoria e prática explica o sucesso do projeto, que agora está em sua segunda edição. Uma das metodologias utilizadas para aprendizado, por exemplo, é um momento de ‘chuva de ideias’.
Nessa modalidade, os alunos criam, em conjunto, possibilidades de roteirização de vídeos, de direção, ângulos de câmera, e decidem qual sentido querem passar com suas narrativas.
Esse espaço possibilita intercâmbio de conhecimento e aprimoramento de técnicas, especialmente para que esse aprendizado seja o motor em futuros trabalhos.
Cacau Ferreira é um exemplo do poder transformador do Visão de Cria. Após passar pela primeira edição, tornou-se monitora, a convite de Renata Assis.
“Aprendi muito sobre fotografia, sobre roteirização e empreendedorismo. Conforme eu fui aprendendo no curso, eu já trabalhava como fotógrafa, mas fui além do que eu já sabia”, conta a estudante.
“Esse curso nos ensina a desbravar nossa imaginação, nossa criatividade e, pelo empreendedorismo, a gente consegue trabalhar com isso. A gente trabalha com uma coisa que a gente ama, uma coisa que a gente gosta, que é fotografia, cinema, audiovisual. Nesse curso, a gente aprende a se encontrar”, afirma.
A exposição
Na exposição Mate, em Portugal, para a qual o projeto foi pré-selecionado, o objetivo é destacar a criatividade e o talento dos jovens participantes e, além disso, promover o diálogo intercultural entre os países. É também uma oportunidade para desconstruir os estereótipos associados às favelas brasileiras.
O público pode contribuir para que o Visão de Cria passe para próxima fase ao votar na iniciativa no site da mostra. Se avançar, o projeto levará 15 fotografias em formato ampliado para exposição, além de proporcionar um painel com informativos sobre a oficina e suas atividades em Belo Horizonte.