Em resposta ao grande número de casos de feminicídio no Rio Grande do Sul, a Câmara dos Deputados instalou, nesta quarta-feira (28), uma Comissão Externa destinada a acompanhar a atuação do poder público na prevenção da violência contra as mulheres. A criação do grupo foi proposta pela deputada federal Fernanda Melchionna (Psol/RS), que também assume a coordenação dos trabalhos, e contou com o apoio de todas as parlamentares federais do estado.
A instalação da comissão ocorre em um contexto de urgência. Apenas nos primeiros cinco meses de 2025, 28 mulheres foram assassinadas no estado por motivos ligados ao gênero, de acordo com a comissão. A situação levou parlamentares de diferentes partidos a se unirem em torno da iniciativa, que busca compreender as causas da violência, fiscalizar a aplicação de políticas públicas e pressionar os governos estadual e federal por respostas concretas.
“Essa ‘força-tarefa’ de todas as deputadas é um movimento importante para fiscalizar e pressionar todos os entes federados para que coloquem a vida das mulheres como prioridade”, afirmou Fernanda Melchionna.

Crescimento dos casos acende alerta
A articulação política para a criação da comissão ganhou força após o feriado de Páscoa, quando, em apenas alguns dias, 11 mulheres foram vítimas de feminicídio em diferentes regiões do Rio Grande do Sul. O número chocou a opinião pública e expôs a fragilidade da rede de proteção às mulheres no estado.
De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública, o estado vem registrando diminuição nos casos crimes de feminicídio nos últimos três anos, após aumentarem nos anos anteriores. O dado oficial aponta que, em 2024, 72 mulheres foram assassinadas, enquanto em 2023 foram 87 e em 2022 foram 111. Contudo, o Observatório Lupa Feminista, que reúne pesquisadoras e trabalha com metodologia diferente da SSP, seguindo modelo adotado pela ONU, registra 111 feminicídios em 2024, o que demonstra estabilidade nos casos.
Após o alto número de casos no feriado de Páscoa, organizações feministas e familiares das vítimas têm denunciado a escassez de recursos, o fechamento de serviços especializados e a demora na aplicação de medidas protetivas. Afirmam que a ausência de políticas públicas efetivas, como casas de abrigo e centros de atendimento, tem deixado mulheres em situação de violência ainda mais vulneráveis.
Comissão deve fiscalizar e propor medidas
A Comissão Externa criada pela Câmara terá como atribuições visitar equipamentos públicos de atendimento à mulher, levantar dados junto a instituições estaduais e federais, realizar audiências públicas e elaborar um relatório com recomendações. Apesar de não ter poder punitivo, o grupo poderá contribuir com propostas legislativas e ações de fiscalização sobre a execução de políticas públicas.
Melchionna destaca que parte do problema se deve à descontinuidade das políticas específicas para mulheres no estado. “As políticas públicas de proteção às mulheres gaúchas têm sofrido um desmonte há muito tempo. A Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres foi extinta em 2015, a Rede Lilás foi encerrada em 2019 e reativada apenas em novembro de 2024 de forma precária, por exemplo. E sabemos que o orçamento para a área é ínfimo. Enquanto os investimentos diminuem, os feminicídios aumentam de forma gritante.”
A deputada também ressaltou a importância da União suprapartidária das parlamentares gaúchas: “O número de feminicídios no estado durante o feriadão de Páscoa chocou o Brasil e acendeu um alerta vermelho sobre as políticas públicas e recursos destinados à defesa da vida das mulheres. Por isso, todas as deputadas, das diferentes vertentes políticas, se uniram em torno da pauta”.
A expectativa é de que o relatório preliminar da comissão seja apresentado ainda neste ano, com diagnósticos e encaminhamentos para ampliar a resposta institucional à violência de gênero. A composição do grupo e o calendário de atividades devem ser definidos nos próximos dias.
O que diz o governo estadual
Em nota, o governo do Rio Grande do Sul disse reafirmar “seu compromisso com a proteção e os direitos das mulheres, com políticas públicas efetivas e investimentos robustos e transversais em diversas áreas” e nega redução de orçamento.
Destaca iniciativas como o programa SER Mulher, com mais de R$ 20 milhões anuais em recursos; o monitoramento do agressor por tornozeleira eletrônica; o aumento das Patrulhas Maria da Penha; a capacitação profissional de mulheres em situação de vulnerabilidade; e a ampliação dos Centros de Referência. Além de investimentos em saúde com ampliação de estrutura hospitalar.
Afirma que a estrutura atual do governo já garante a execução de políticas específicas, através do Departamento de Políticas para as Mulheres e o envolvimento de diversas secretarias. Encerra dizendo que “a proposta de recriação de uma secretaria dedicada é legítima e será considerada com o devido respeito”, mas pontua que “ ausência dessa estrutura não significa ausência de políticas públicas”.
