Com as recentes propostas enviadas pelo governo de Romeu Zema (Novo) à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para viabilizar a adesão do estado ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), abriu-se a possibilidade da transferência de diversos ativos públicos mineiros para o controle da União. Entre as empresas que podem ser federalizadas no próximo período está a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig).
A empresa foi fundada oficialmente em 2003 pela Lei Estadual 14.892. Porém, a história da estatal remonta a 1957, com a criação da Companhia Agrícola de Minas Gerais (Camig). Atualmente, a Codemig é dona da maior jazida de nióbio do planeta, localizada no município de Araxá, na região do Alto Paranaíba.
Explorada em parceria com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), a mina gera ao estado uma receita de em média R$300 milhões por ano.
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Em entrevista ao Brasil de Fato MG, o engenheiro metalurgista e ex-presidente da Codemig Marco Antônio Castello Branco aborda a importância da empresa e como deve acontecer o possível processo de federalização.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato MG – O governo Zema tem tentado privatizar diversas estatais, entre elas a Codemig. Qual é a importância dessa empresa para Minas Gerais? E por que o governador tenta privatizá-la?
Marco Antônio Castello Branco – A Codemig é uma empresa muito importante para Minas Gerais, porque é proprietária de 50% da concessão de lavra do minério de nióbio de Araxá, que ela detém desde 1952. No governo de Fernando Pimentel (PT), a ideia era ter a Codemig — já que ela possui essa fonte de recursos passível de alocação — assim como é a BNDES Participações S.A (BNDESPar) no governo federal.
A BNDESPar é uma agência de participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em empreendimento com o setor privado. Possui participações em várias empresas do Brasil e, por meio dessas participações, além de desenvolver a economia do país, tem rendimentos de dividendos das ações. Era o mesmo projeto que nós começamos a fazer em Minas, a partir de 2018.
Infelizmente, o governo atual não tem uma visão moderna nesse sentido e tudo o que foi investido foi vendido. O governo Zema fez dinheiro com todas as participações que a Codemig desenvolveu e também pegou os recursos do nióbio para cobrir as despesas correntes do estado. Infelizmente, é uma aplicação do dinheiro que não gera grandes perspectivas para o futuro.
O governo Zema só não conseguiu privatizar a Codemig, até o momento, porque o Ministério Público de Contas (MPC) e o Tribunal de Contas (TCE) impediram, por meio de diversas ações que, inclusive, ainda estão em andamento.
O que a mina de Araxá, maior jazida de nióbio do mundo, significa para o estado? Quanto ela gera em receita para Minas?
A Codemig gera, por meio da sociedade em conta de participação (SCP) com a CBMM, cerca de 250 milhões de dólares por ano. Esse dinheiro tem um grande potencial de ser usado em empreendimentos nos quais a Codemig assume papéis e participação minoritária, junto com o setor privado, para permitir a diversificação da economia de Minas Gerais. A nossa economia é muito dependente do setor mineral, principalmente do minério de ferro, siderurgia pesada e agronegócio.
Nessa perspectiva, qual é a importância de que a empresa continue pública?
Na minha opinião, é importante que o controle da Codemig fique no setor público porque é um ativo de longo prazo. As reservas de minério que estão em Araxá com concessão de lavra pertencente à Codemig e ao Estado de Minas Gerais têm uma duração muito longa.
Além disso, o dinheiro que ela gera pode ser utilizado para alterar, modificar ou incrementar a política econômica do estado e isso é atribuição do setor público, principalmente do estado, mas também da União. Por isso, é importante que ela permaneça no setor público.
A própria Codemig é um exemplo real disso, já que a concessão de lavra do nióbio foi autorizada pelo presidente Getúlio Vargas ao governador Juscelino Kubitschek, em 1952. Quem descobriu a jazida foi o governo de Minas Gerais em 1948, mais especificamente o professor João Guimarães. E, até a metade dos anos 2000, o rendimento econômico do nióbio não era tão grande quanto é hoje.
Foi o fato de a reserva ser de propriedade do setor público e deste ter estabelecido uma parceria junto ao setor privado, com paciência e tempo para gerar os benefícios, que permite hoje Minas Gerais receber de 250 a 300 milhões de dólares por ano. Só o setor público tem visão de longo prazo e capacidade de aguardar ativos gerarem valores econômicos.
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Além de que ainda tem muita coisa lá, em termos de reserva mineral. Estão presentes terras raras, que têm um potencial muito grande do ponto de vista estratégico e geopolítico. Obviamente, as terras raras que estão nos rejeitos do minério de Araxá possuem uma natureza mineralógica específica. O tratamento e o processamento delas não é o mais simples, mas a tecnologia já resolveu muitos problemas e pode resolver esse problema também, transformando as terras raras que estão em Araxá em ativos relevantes, geradores de riquezas, por exemplo, para a área de mobilidade elétrica.
Estão presentes nessas terras o neodímio e o praseodímio, com os quais fazemos imãs. Os ímãs, por sua vez, são importantes para motores elétricos que têm grande relevância para a mobilidade do futuro.
Isso tudo pode ter um significado muito grande para a economia de Minas Gerais e do Brasil e é melhor que o ativo esteja com a participação relevante do setor público, com o estado de Minas Gerais ou, no caso da federalização, com a União. Mas sem que Minas abandone esse ativo e essa riqueza que possui.
O estado acumula com a União uma dívida que chega hoje a cerca de 165 bilhões de reais. Para aderir ao Propag, o governador enviou à ALMG um pacote de leis que inclui a transferência de estatais para a União, entre elas a Codemig. Em sua visão, como se daria esse processo de federalização?
A utilização da Codemig para abater parte da dívida pública de Minas Gerais é uma alternativa para preservar um ativo público estratégico mais adequada do que simplesmente a venda para o setor privado. Porém, se a Codemig for realmente federalizada, é importante que tenha, da parte do Governo Federal, um plano estratégico para a empresa.
Em 2032, vai se encerrar o contrato da SCP com a CBMM. Mesmo assim, a concessão de lavra ainda é viável, porque as reservas são muito importantes, e permanecem resistentes, com minério de altíssimo teor. Caso o governo federal assuma realmente a Codemig, o estado de Minas Gerais não pode se afastar das discussões e do planejamento futuro do uso desses recursos. Não é o fato de ele ser repassado para a União que deve afastar o estado de um recurso que está no seu próprio território.
O nióbio gera, em termos de impostos de renda, mais de 300 milhões de dólares por ano. Ou seja, o governo federal, caso assuma a reserva, além da participação inicial na sociedade com a CBMM, em torno de 250 milhões de dólares, teria ainda, todo os anos, mais de 300 milhões de dólares.
A partir de 2032, se a alternativa mais interessante for uma renegociação com o grupo Moreira Sales, é relevante começar essa discussão, porque é um contrato que já vem desde de 1972. É um contrato complicado, existem questões pendentes, que inclusive fizeram parte de questionamentos do próprio Tribunal de Contas.
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Se o Estado de Minas Gerais não entrar em acordo com a CBMM, é interessante fazer um chamado público internacional. Com toda certeza, empreendimentos estrangeiros, principalmente europeus, americanos e chineses, têm interesse em ter acesso a uma lavra de nióbio muito rentável, com um custo muito baixo e muito rico.
O argumento que a CBMM sempre coloca é que ela é a dona das unidades industriais. Isso é um questionamento também a ser discutido, porque durante 60 anos, todo o gasto que foi feito na construção da unidade industrial em Araxá foi descontado da participação que gerou a divisão de lucros entre a CBMM e o estado. Isso é um dos assuntos que precisa ser discutido.
Para a empresa, o estado não tem nada de propriedade em relação à unidade industrial. Eu já conheço o contrato e tenho uma visão diferente. Na minha opinião, uma vez que 25% de tudo que foi investido foi deduzido da participação que o Estado recebeu, portanto, ele também é dono de parte dos ativos industriais que estão lá. Ou seja, é algo ainda a ser discutido e acordado.
E, por outro lado, se for necessário fazer uma nova indústria ao lado da existente, o que não é a solução necessariamente mais interessante, isso deve ser pensado e discutido. E, caso a concessão e a Codemig sejam federalizadas, que se faça um chamado internacional, para ver quais seriam as intenções e as condições para uma parceria, diferente da que hoje está vigente junto com o Grupo Moreira Sales.
A federalização dessa empresa, como está sendo proposta, é boa para os mineiros? Em quais termos deveria acontecer essa transferência?
Na minha opinião, a federalização é melhor do que a simples privatização. O mais interessante seria ter um acordo com o governo federal que permitisse abater as dívidas. Eu acho que a veiculação que houve na imprensa de que a Codemig teria um valor de 6 milhões de dólares é discutível. Porque o grande valor hoje é o valor residual da reserva que fica no subsolo, a partir de 2032, não é a receita que ela tem até 2032.
Quanto vale o nióbio daqui a 20 ou 30 anos? São especulações e modelos que você tem de construir para fazer a valorização. Já existiram outros cálculos que levaram eventualmente a Codemig a valer no mínimo 15 bilhões de dólares. É um assunto que não é simples de resolver e, com toda certeza, se a União vai receber a Codemig e pagar com papel, com título da dívida, ela pode pagar mais do que o valor de face do próprio título da dívida.
Nós já tivemos um exemplo disso na privatização do sistema Siderbrás nos anos 1990. Existiam as debêntures da Siderbrás, o valor de mercado transacionado era com um deságio muito grande, os papéis da Siderbras valiam de 40% a 50%, e o governo federal vendeu todas as participações que a Siderbras possuía no setor siderúrgico, aceitando um valor de face das debêntures.
Ou seja, foi comprado pagando em papel. Se fosse usado no mercado livre, valeria muito mais e o Estado brasileiro, a União, aceitou pelo valor de face. Ou seja, a União já fez negócios na venda de participação onde os papéis que ela mesmo emitiu tinham um valor diferente do valor de mercado.
A dívida de Minas Gerais, os 170 bilhões de reais que estão no tesouro, caso fosse vendida para o mercado investidor, jamais obteria esse valor a 170 bilhões. O governo ia ter de aceitar um deságio muito grande. Ao invés de aceitar um deságio, o que pode acontecer é a União pagar mais pelos ativos bons, de boa qualidade, que ela vai receber de Minas Gerais, por exemplo, da Codemig.
No mínimo, 40 ou 45 bilhões de reais seriam muito bem pagos e seria muito melhor ter a Codemig, que gera 250 milhões de dólares por ano, e ainda ter uma reserva que vai durar muitos anos do que ter um título do tesouro de Minas Gerais na carteira da União, que não rende nada e muitas vezes não paga nem o serviço da dívida.
Ou seja, o governo federal pode pagar bem mais do que o valor de mercado pelos ativos que foram federalizados. Agora, isso é uma questão política, tem de ser discutida, e eu creio que o governo Zema é o pior interlocutor que Minas Gerais pode ter nesse momento. Se a Assembleia de Minas Gerais fosse a negociadora, seria a melhor coisa do mundo.
Porque, com um governador que não para de criticar e ofender o governo federal, que motivação o governo federal tem para tratar bem e pagar bem por ativos federalizados? É pouco provável que uma federalização, onde esteja envolvida a pessoa do governador Romeu Zema, gere grande valor para os ativos de Minas Gerais.
Ele é uma pessoa que não tem uma conduta de bom negociador. Esses R$170 bilhões de reais são uma dívida que ele aumentou em 50% nos últimos anos. Melhor seria, se o interlocutor com o governo federal, para o processo de federalização, pudesse ser a ALMG.
Os parlamentares têm muito mais legitimidade, porque representam muito mais o povo mineiro do que o próprio governador Romeu Zema na negociação com a União. Eu acho que Romeu Zema, discutindo com o governo federal, não vai gerar boa coisa para o povo mineiro ao federalizar as suas empresas.