Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), responsáveis por estudos sobre a situação do Rio Melchior, foram ouvidos nesta quinta-feira (29) pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga as causas e responsabilidades pela poluição do manancial, na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).
Os professores alertaram para a intensa degradação do rio e destacaram, como já feito por outros especialistas ouvidos pela comissão, a falta de transparência de órgãos ambientais do DF na divulgação de dados. “Esse rio deveria ser tratado como um paciente na UTI, com monitoramento constante. Hoje esse monitoramento é feito pela Adasa [Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF], mas ela não entrega esses parâmetros pra gente”, afirmou o doutor e pesquisador do Departamento de Ecologia da UnB José Francisco Gonçalves Júnior, ao apontar que os dados públicos mais recentes sobre a presença metais pesados nas águas do Melchior são de 2023.
Gonçalves apresentou um relatório sobre a análise de amostras do rio coletadas entre 2018 e 2023. O estudo aponta níveis elevados de turbidez, condutividade elétrica e concentrações acima do permitido de metais pesados como cobre, zinco e ferro, nas águas do rio. A pesquisa também encontrou substâncias químicas como fósforo, nitrito, nitrato e amônia em quantidades acima dos limites legais estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).
Um dos achados mais graves foi a presença de glifosato no manancial, um componente de agrotóxicos associado ao risco de desenvolvimento de diferentes tipos de câncer. Segundo o professor, em um dos poços estudados, que é utilizado por uma parte da população local, a concentração da substância cancerígena foi encontrada em níveis três vezes maiores do que o máximo permitido. “Isso pode ser um dos parâmetros que esteja adoecendo aquela população, porque eles estão usando essa água. E nós vimos realmente uma população muito carente, que precisa de auxílio”, avaliou Gonçalves.
O professor também criticou os critérios utilizados pela Adasa para aferir a qualidade da água no DF. Para ele, os indicadores são insuficientes e deixam de abordar parâmetros essenciais, como o nível de carbono presente nos corpos hídricos. “É uma forma de mascarar a real situação dos nossos rios”, avaliou. O pesquisador relatou ainda estar sendo alvo de assédio moral por parte da Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb), que teria enviado um comunicado à reitoria da UnB criticando declarações feitas por ele sobre a morte de peixes no Lago Paranoá.
“Fica claro que os órgãos se omitem ao não deixar os dados públicos, a dificultar o acesso. Desde 2022, a Adasa se recusa a participar do Conselho de Recursos Hídricos. Isso porque eles não querem que as coisas avancem, querem que continuem do jeito como está”, criticou.
Mercúrio: ameaça silenciosa à saúde pública
Já o professor do Departamento de Engenharia Civil Ambiental da UnB José Vicente Elias Bernard apresentou estudos sobre a presença de mercúrio no Rio Melchior e no ar da região. Ele alertou que o contato com esse metal pode provocar danos neurológicos, problemas renais e comprometimento no desenvolvimento de crianças.
Bernard também associou o mercúrio à ocorrência de tumores cerebrais, defendendo a necessidade urgente de atualizar a legislação para distinguir e regulamentar de forma mais restritiva o metilmercúrio, forma orgânica altamente tóxica do metal, que se acumula no meio ambiente. “A tecnologia para retirar o mercúrio já existe. O que falta é investimento em pesquisa e não sacrificar o corpo hídrico”, pontuou.
Ele colocou sua equipe à disposição da CPI para realizar uma avaliação direta da qualidade do lençol freático na região, diante de indícios de contaminação que podem afetar populações mesmo sem contato direto com o rio.
Falta gestão
Professor do Departamento de Engenharia Ambiental da UnB, Ricardo Tezini Minoti alertou que discutir a qualidade da água é importante, mas também é necessário olhar para outros aspectos que impactam os recursos hídricos, como o uso do território e as condições sociais.
“A gestão das águas, que é feita por uma parte dos órgãos, só cuida do corpo aquático. E muitas vezes se omite de olhar para o resto. Temos que pensar em gestão ambiental, em política de saneamento, em gestão do território. É mais complexo que olhar apenas a bacia hídrica”, destacou.
Próximos passos
Participaram da reunião desta quinta-feira (29) apenas a presidenta da CPI, Paula Belmonte (Cidadania), e o deputado distrital Gabriel Magno (PT).
Como encaminhamentos, a presidenta destacou que a comissão vai formalizar pedidos de informações aos órgãos ambientais sobre os dados que, segundo os pesquisadores, estão sendo negligenciados. Já Magno propôs a criação de um fundo de recursos hídricos para financiar pesquisas sobre a qualidade das águas do DF e sugeriu que a comissão questione formalmente a Adasa sobre a não disponibilização das informações solicitadas pela UnB.
Após visitar, na semana passada, o Aterro Sanitário de Brasília, que lança chorume tratado no Rio Melchior, a comissão visitará, na próxima quinta-feira (5), a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Samambaia, que também lança efluentes no corpo d’água. Antes, na quarta-feira (4), Belmonte fará um sobrevoo na área do rio, acompanhada pela Polícia Civil do DF (PCDF).