Desde que Donald Trump assumiu o poder nos EUA, as relações diplomáticas entre Washington e Havana entraram em tensão crescente, tornando-se cada vez mais delicadas e complexas. Como era de se esperar, a hostilidade dos Estados Unidos em relação à ilha caribenha voltou a ganhar força na política da Casa Branca com a volta do magnata.
Essa tensão tem se intensificado devido à atuação controversa do chefe de missão da Embaixada dos EUA em Cuba, Michael A. Hammer, que, nas últimas semanas, iniciou uma série de visitas pelo país para se reunir com diversos setores da oposição política.
No início de maio, Hammer divulgou breve vídeo no qual anunciava que percorreria a ilha para ouvir “qualquer pessoa que quisesse compartilhar suas perspectivas e ideias”. A mensagem foi publicada nas redes sociais oficiais da embaixada dos Estados Unidos em Cuba.
Desde então, o chefe da missão realizou diversas reuniões com figuras da oposição — ações que Havana classificou como provocações e interferência nos assuntos internos do país. Segundo analistas consultados pelo Brasil de Fato , a representação diplomática estadunidense estaria buscando provocar crise por meio de ações deliberadamente intervencionistas, amplamente divulgadas nas redes sociais.
Um dos pontos centrais no debate sobre as ações da embaixada é o Artigo 41 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, que estabelece que “o pessoal diplomático é obrigado a não interferir nos assuntos internos do Estado receptor”.
Enquanto Havana acusa Hammer de ultrapassar os limites da diplomacia tradicional e ingressar no campo da intervenção política, as autoridades dos Estados Unidos afirmam que essas reuniões são apenas uma forma de “conhecer o país” e “ouvir os cidadãos cubanos”.
“Vamos voltar a adotar uma política dura contra o regime cubano.”
No último sábado, 24 de abril, como parte de uma turnê pelos Estados Unidos, o chefe de missão Michael Hammer concedeu uma coletiva de imprensa em Miami, diante de meios de comunicação vinculados à oposição cubana. Durante o encontro, ele abordou a atual política do governo Trump em relação a Cuba e as recentes atividades da Embaixada dos Estados Unidos na ilha.
“Eu começaria dizendo — e acho que vocês já sabem disso, mas vale a pena reforçar — que a política do governo Trump, liderada pelo secretário de Estado Marco Rubio, é muito clara. O próprio secretário Rubio já afirmou isso em 4 de fevereiro, quando declarou: vamos voltar a adotar uma política dura contra o regime cubano”, afirmou Hammer no início de sua declaração.
Essas palavras coincidem com uma escalada nas medidas restritivas promovidas pelo presidente Donald Trump desde seu retorno à Casa Branca em janeiro de 2024. Entre elas, estão a reintegração de Cuba na lista de países patrocinadores do terrorismo e em outra lista de nações que não cooperam plenamente com os esforços internacionais de combate ao terrorismo — decisões que impactam diretamente o comércio e o investimento estrangeiro na ilha.
Hammer também destacou, durante a coletiva, que o governo dos EUA está endurecendo as leis migratórias que impedem a concessão de vistos a membros do alto escalão do Partido Comunista Cubano e àqueles que ocuparam cargos importantes nos últimos anos.
Sobre a atividade da Embaixada dos Estados Unidos em Cuba, Hammer garantiu que as reuniões continuarão. “É importante, mais uma vez, estabelecer contato com o povo cubano para deixar claro que a administração Trump e nosso secretário de Estado, Marco Rubio, estão atentos à sua situação, preocupados com ela e desejam ver mudanças”, afirmou.
A coletiva foi transmitida pela Rádio e TV Martí, veículos de comunicação autointitulados“independentes”, mas financiados pelo governo estadunidenses com o objetivo declarado de promover a “democracia” e a “liberdade de informação” na ilha.
Em março de 2024, o Escritório de Transmissão para Cuba (OCB), que supervisiona essas transmissões, recebeu US$ 25 milhões (R$ 125 nilhões) em fundos públicos para manter suas operações.
No início de janeiro deste ano, por meio de sua conta no X (antigo Twitter), a Embaixada dos EUA informou que Hammer havia “visitado a Rádio e Televisão Martí durante sua passagem por Miami para conhecer melhor o trabalho que realizam ao informar sobre o que acontece em Cuba”.
Por sua vez, a vice-ministra das Relações Exteriores de Cuba para assuntos dos Estados Unidos, Johana Tablada, respondeu publicamente nas redes sociais, denunciando que a coletiva de Hammer não foi um evento neutro, mas sim uma “operação política cuidadosamente planejada”.
Ela destacou que o objetivo do evento era legitimar a interferência diplomática como se fosse “solidariedade”, encobrir as sanções impostas pelos Estados Unidos, isentar o país de responsabilidade pelo bloqueio econômico e posicionar figuras da contrarrevolução — financiadas por Washington — como porta-vozes legítimos do povo cubano.
Histórico do governo Trump
As relações diplomáticas entre os Estados Unidos e Cuba permaneceram rompidas desde 1961, quando Washington cortou oficialmente os laços com a ilha. Mais de cinquenta anos depois, teve início um processo de reaproximação. Durante os governos de Barack Obama e Raúl Castro, em 2015, começou uma iniciativa de diálogo conhecida como “degelo”, que culminou na normalização das relações diplomáticas e na reabertura das embaixadas em ambas as capitais.
Embora o embargo econômico tenha continuado vigente — já que sua revogação depende da aprovação do Congresso estadunidense —, a reabertura da embaixada dos EUA em Havana tinha como objetivo facilitar o diálogo em temas migratórios e econômicos.
No entanto, esse processo durou pouco. Com a chegada de Donald Trump à presidência em 2017, a política dos Estados Unidos em relação a Cuba voltou a assumir um tom claramente hostil. O governo republicano adotou uma estratégia chamada de “pressão máxima”, revertendo todas as medidas de aproximação implementadas pela administração Obama e impondo novas e severas sanções econômicas.
Nesse contexto, em setembro de 2017, os Estados Unidos decidiram retirar todo o pessoal não essencial de sua embaixada em Cuba. O Departamento de Estado justificou a medida repentina alegando que, durante vários meses, seus funcionários vinham apresentando uma série de sintomas inexplicáveis, incluindo tontura, vertigem, confusão mental e perda parcial de audição. Sem apresentar evidências concretas, o órgão atribuiu esses episódios a supostos “ataques acústicos”.
A imprensa internacional rapidamente noticiou as alegações do Departamento de Estado, batizando o fenômeno como “síndrome de Havana”. Na época, a Associated Press (AP) divulgou uma gravação de áudio feita por funcionários diplomáticos como prova do suposto “ataque sonoro”. O “som estranho” foi descrito pelos diplomatas como um ruído ouvido durante a noite.
Diante da gravidade das acusações, o áudio foi submetido a uma investigação científica conduzida pelas universidades de Berkeley (Califórnia) e Lincoln (Reino Unido). Os resultados, publicados em 2019, revelaram que o som em questão nada mais era do que o canto de um grilo comum.
Apesar do caráter insólito do caso, as acusações já haviam produzido efeitos concretos: o governo Trump utilizou o suposto “ataque” como justificativa para reduzir drasticamente o número de funcionários na embaixada e suspender grande parte dos serviços consulares oferecidos aos cidadãos cubanos.
Apesar das promessas de campanha, durante o governo democrata de Joe Biden, a maioria das sanções impostas por seu antecessor permaneceu em vigor. Cuba continuou na “lista de países que patrocinam o terrorismo”, elaborada unilateralmente pelo Departamento de Estado dos EUA, apesar dos repetidos apelos da comunidade internacional por sua remoção — inclusive da Assembleia Geral da ONU, até apenas uma semana antes do fim da administração democrata.
Com o retorno de Donald Trump à Casa Branca, em 20 de janeiro, a política de “pressão máxima” voltou a ser prioridade em Washington.