É surreal ainda assistirmos ao debate sobre uma escola que o Exército Brasileiro insiste em construir em cima da Bacia do rio Catucá, numa área de proteção ambiental (APA) do bioma Mata Atlântica. Eles pretendem desmatar 94 hectares — ou seja, 200 mil árvores — num local que abriga várias espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção. Outra potencial consequência é o comprometimento do abastecimento de água de um milhão de pernambucanos.
Na semana passada, circulou nas redes sociais um vídeo em que um parlamentar pernambucano acusava a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, de sabotar o projeto do Exército. Será que uma liderança política como a governadora abriria mão de um projeto que, supostamente, traria emprego e renda para o Estado? Acredito que não.
O maior responsável por esse projeto se tornar motivo de polêmica e atraso é o próprio Exército Brasileiro — leia-se o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. É sabido que, para seguir o trâmite legal, o Exército deve abrir licitação para contratar uma empresa especializada em inventariar as árvores, realizar o resgate de animais e cumprir todas as normas orientadas pelo Ibama — o que leva tempo e ainda corre risco de judicialização.
Embora a Advocacia-Geral da União (AGU) — leia-se Jorge Messias — tenha interferido de forma indevida, é importante que os técnicos do Ibama se manifestem e fiquem atentos contra esse tipo de expediente, assim como fizeram ao denunciar na mídia a decisão política da diretoria do mesmo órgão ao liberar pesquisas prospectivas de petróleo na foz do rio Amazonas, atendendo demanda da Petrobras. Os políticos passam, mas as instituições e os servidores efetivos ficam.
Não seria mais sensato o Exército e o ministro da Defesa pararem com essa pauta? Ao insistirem em um desmatamento dessa dimensão, geram desgaste para o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e para a governadora Raquel Lyra. A repercussão fatalmente será local, nacional e internacional. Já há alternativas locacionais apresentadas pelo Fórum Socioambiental de Aldeia e pelo próprio Governo do Estado, que até se dispôs a desapropriar áreas para esse fim — como fez com a parte habitacional do projeto de 576 apartamentos para oficiais e sargentos.

Uma área já desmatada nas proximidades permitiria que o projeto saísse do papel sem atropelos. Está na hora de o Exército Brasileiro deixar de lado a vaidade e atender ao clamor da sociedade civil, que não aceita mais desmatamentos e já sente os efeitos das mudanças climáticas. Chuvas intensas no Recife e Região Metropolitana já têm causado mortes e muitos transtornos à população, como a suspensão de aulas em escolas e universidades.
Foi noticiado na mídia, nesta sexta-feira (30), uma parceria entre Exército Brasileiro e Departamento de Infraestrutura e Transportes (Dnit) para plantio de 100 hectares compensatórios por obras do Dnit – praticamente os 90 hectares que o projeto da Escola de Sargentos pretende desmatar. Esta parceria é uma clara movimentação de tentar politicamente mostrar à sociedade civil que são protetores do meio ambiente, algo que eles não são. Não existe compensação para a Bacia do Catucá. Não se pode construr em cima de nascentes de rios.
É um crime de lesa pátria o que esses senhores estão tentando cometer com o que resta de Mata Atlântica e com as futuras gerações, que sentirão o agravamento dos efeitos da crise climática. A sociedade civil não está contra a Escola de Sargentos, mas contra o desmatamento. São muitos atropelos em torno da construção da Escola de Sargentos do Exército na APA Aldeia-Beberibe.
Gastar R$ 1,8 bilhão num projeto que desmata e compromete o sistema hídrico de um Estado, num país onde as universidades federais carecem de verbas e os salários de docentes e técnicos estão defasados, cabe refletir se a sociedade civil aceitará isso.
Lyra e o ministro José Múcio desgastam o presidente Lula perante os movimentos sociais por aceitarem a imposição do Exército com esse projeto megalomaníaco. O Governo do Estado, leia-se a governadora, irá pagar um preço político alto. Se continuar apoiando este projeto, ela ficará na história como a governadora que apoiou o maior desmatamento de Mata Atlântica em Pernambuco.
Respeito é bom e os pernambucanos exigem isso do poder público! Queremos a Escola de Sargentos do Exército sem desmatamento!
*Milton Tenório é profissional liberal, ativista ambiental e morador de Aldeia.
**Os artigos de opinião não necessariamente representam a posição editorial do Brasil de Fato.
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