A Fundação Humanitária de Gaza (GHF) na sigla em inglês, organização apoiada pelos governos dos Estados Unidos e de Israel, anunciou como seu novo comandante o reverendo estadunidense Jhonnie Moore. O pastor de extrema direita é ligado ao presidente Donald Trump e ao primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu.
A nomeação do líder evangélico acontece após o ataque do exército israelense contra palestinos que buscavam comida na Faixa de Gaza que deixou 27 mortos nesta terça-feira (3) e foi considerado pela ONU como um crime de guerra. “Ataques contra civis constituem uma grave violação do direito internacional e um crime de guerra”, enfatizou Volker Türk, Alto Comissário dos Direitos Humanos da ONU, durante coletiva de imprensa em Genebra nesta terça-feira.
O Alto Comissário da ONU afirmou que os palestinos enfrentam “a mais sombria das escolhas: morrer de fome ou correr o risco de serem mortos enquanto tentam acessar a escassa comida disponibilizada pelo mecanismo militarizado de assistência humanitária de Israel”, disse em relação à GHF. “Este é o terceiro incidente desse tipo em apenas três dias”, denunciou a ONU.
Apoiada pelos Estados Unidos, a organização não revela suas fontes de financiamento e foi colocada por Israel para atuar no lugar da rede de ajuda humanitária da ONU, desmantelada pelo governo de Benjamin Netanyahu.
Moore é conhecido por ser um líder evangélico pró-Israel e “um importante canal entre a comunidade evangélica e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu”, de acordo com o jornal israelense The Haaretz.
Na segunda-feira (2), o secretário-geral da ONU, António Guterres anunciou uma investigação independente após a morte de ao menos 31 pessoas perto do centro de ajuda humanitária no domingo, atribuído pelos socorristas palestinos ao Exército israelense, que nega qualquer envolvimento.
Desde que iniciou suas operações, no final de maio, a ONG afirma ter distribuído milhões de refeições no território. No entanto, sua mobilização tem sido acompanhada por cenas caóticas e denúncias de vítimas de disparos israelenses perto dos centros de distribuição.
As Nações Unidas se recusaram a trabalhar com a GHF por preocupações com seus processos e sua neutralidade. Algumas agências de ajuda humanitária acreditam que a fundação foi concebida para responder aos objetivos militares israelenses. Na última quarta-feira (25), o CEO da GHF, o veterano militar estadunidense Jake Wood – fuzileiro naval (marine) que atuou nas guerras do Afeganistão e do Iraque – renunciou afirmando não ser possível implementar o plano de ajuda humanitária “aderindo estritamente aos princípios humanitários de humanidade, neutralidade, imparcialidade e independência”, dos quais ele não abriria mão.
Ao deixar o comando da organização, Wood fez um apelo a Israel para expandir significativamente a entrada de ajuda em Gaza por todos os meios. Com sua saída, o comando da organização ficou interinamente com John Acree, estadunidense com atuação ligada à Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e ao Departamento de Estado dos EUA (DOS), com atuação no Afeganistão, Paquistão e Iraque. Após as mortes desta terça (27), Acree anunciou como novo comandante da GHF o reverendo Moore.
Mortos e feridos em busca de alimento
Rania al Astal, uma deslocada de 30 anos, saiu no início da manhã com o marido para tentar receber alimentos no centro da GHF.
“Os tiros começaram de forma intermitente por volta das 5h00. Cada vez que as pessoas se aproximavam da rotatória de Al Alam, eles atiravam”, disse à AFP. “Mas ninguém se importava e todos correram ao mesmo tempo. Foi então que o Exército começou a disparar intensamente”.
Mohammed al Shaer, de 44 anos, que também estava no local, disse que a multidão havia começado a seguir para o centro de ajuda quando, “de repente, o Exército israelense atirou para o alto e depois começou a atirar diretamente contra as pessoas”.
“Um helicóptero e drones começaram a atirar contra a multidão para impedir que se aproximasse dos tanques. Houve feridos e mortos”, afirmou.
A Cruz Vermelha confirmou, nesta terça-feira (3), a morte de 27 pessoas por disparos perto de um centro de distribuição de ajuda humanitária no sul de Gaza, e o exército israelense afirmou ter disparado contra “suspeitos” que avançavam em direção aos soldados.
O hospital de campanha do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) em Rafah, no sul do território, “recebeu um fluxo massivo de 184 pacientes; 19 deles foram declarados mortos ao chegarem e outros oito sucumbiram aos seus ferimentos pouco depois”, informou o CICV em comunicado.
“A maioria dos pacientes foi ferida por tiros”, acrescentou.
O porta-voz da Defesa Civil de Gaza, Mahmud Basal, detalhou horas antes que “as forças de ocupação israelenses abriram fogo com ajuda de tanques e drones contra milhares de civis que estavam reunidos desde o amanhecer perto da rotatória” na área de Al Alam, em Rafah.
Além dos disparos desta terça, os socorristas relataram que 19 pessoas morreram em ataques israelenses em outras áreas do território palestino. O exército israelense anunciou, por sua vez, a morte de três soldados no norte de Gaza.
O secretário-geral da ONU condenou a “inaceitável” morte de palestinos que buscavam alimentos em Gaza, apenas dois dias após uma tragédia semelhante no mesmo local, na qual morreram 31 pessoas e 176 ficaram feridas, segundo os serviços de emergência.
Em seu comunicado, o Exército afirma que “não impediu a chegada de civis de Gaza aos locais de distribuição de ajuda humanitária”.
A GHF destacou que as operações no centro de distribuição foram realizadas de forma segura nesta terça-feira.
*Com AFP e The Haaretz