Apesar da força eleitoral demonstrada nas últimas disputas, a extrema direita brasileira pode chegar fragilizada à corrida presidencial de 2026 por um motivo central: a ausência de uma liderança unificadora. A avaliação é do cientista político e professor da Universidade do Estadual de Campinas (Unicamp), Armando Boito, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.
O bolsonarismo conta hoje com ao menos cinco nomes competitivos: o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), embora atualmente inelegível; a ex-primeira dama Michele Bolsonaro (PL); os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); e de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil). Para ele, a multiplicidade de pré-candidaturas pode se tornar um ponto fraco. “Essa variedade […] pode também se converter em uma fraqueza, caso eles não logrem estabelecer uma unidade.”
Boito ressalta que cada nome dentro do campo bolsonarista se conecta a segmentos diferentes da base conservadora, o que revela um movimento heterogêneo. “Cada um desses candidatos tem ligações preferenciais com um dos segmentos que integram o campo bolsonarista. […] Zema com o capital industrial; Caiado com o agronegócio; Michele com os evangélicos; Tarcísio com os militares e policiais militares”, explica.
Embora compartilhem uma agenda ideológica semelhante, existe o risco de racha entre esses grupos. Para o professor, isso pode abrir margem para a esquerda ampliar sua atuação se conseguir mobilizar e organizar sua base. Ainda assim, ele alerta que “o voto da extrema direita é partidário, é ideológico. Muda o personagem, […] mas continua no mesmo patamar.”
Na leitura de Boito, a coesão da direita depende de articulações que vão além das afinidades ideológicas. Sem uma liderança consolidada ou capacidade de coordenação, o campo bolsonarista pode ter dificuldade em repetir o desempenho das últimas eleições.
‘Sinal amarelo’ para esquerda
Armando Boito analisa que o cenário eleitoral de 2026 traz alertas importantes também para o campo progressista. Segundo ele, a última pesquisa Quaest, que mostra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tecnicamente empatado com seus principais adversários em simulações de segundo turno, revela sinais preocupantes para o partido.
Boito destaca a redução da vantagem de Lula em bases sociais onde o PT sempre teve desempenho expressivo, como entre as mulheres e no Nordeste. “Tem um sinal amarelo e a esquerda tem que refletir no porquê desse sinal amarelo e tentar estabelecer estratégias para fazer com que ele passe para um sinal verde.”
Na avaliação do cientista político, o governo enfrenta obstáculos maiores que nas gestões anteriores. Ele cita a consolidação do modelo neoliberal e o fortalecimento da extrema direita ideológica no Congresso. “Hoje não dá para fazer uma política estritamente fisiológica com o Congresso Nacional. […] Tem partidos recusando ministérios, isso é algo muito significativo na política brasileira.”
Ao ser questionado sobre a possibilidade de uma contra-ofensiva do governo nas redes sociais, Boito foi enfático ao afirmar que isso exige organização e educação política da base. “O caminho para responder seria levar educação política, organização e mobilização, mas isso os governos do PT sempre relutaram em fazer. […] Se não tiver educação política, essa massa se torna vulnerável à guerra digital na qual a extrema direita vence.”
Segundo ele, sem educação política, melhorias econômicas não se convertem automaticamente em apoio político. “Caiu o desemprego? Caiu. Aumentou a renda do trabalho? Aumentou. Mas a questão é, por que isso aconteceu? […] Eles [os eleitores] podem deduzir que foi por causa da teologia, porque contribuíram com o dízimo. Tem essa ideologia religiosa que pode interceptar e fornecer essa explicação”, exemplifica.
Para ouvir e assistir
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