A Suprema Corte de Justiça da Argentina ratificou, nesta terça-feira (10), a condenação imposta pelo Tribunal Oral Federal Nº 2 (TOF2) a ex-presidenta do país, Cristina Kirchner. Ela foi condenada a seis anos de prisão e inabilitação perpétua para exercer cargos públicos. Na prática, isso a retira da disputa eleitoral deste ano.
A Corte rechaçou todos os argumentos do recurso interposto por Kirchner. De acordo com o jornal argentino Página 12, o Tribunal considerou que “o devido processo legal foi salvaguardado” e que “a ré obteve uma decisão baseada na lei”.
Nesta segunda-feira (9), Kirchner havia admitido a possibilidade de que seu recurso fosse negado a apoiadores reunidos no ato que marcou o aniversário do Dia da Resistência Peronista. “Eu estarei presa, mas o povo estará cada dia pior”, afirmou.
Atualmente, dois dos cinco assentos da Corte estão vagos, e os três ministros em exercício não tinham prazo definido para emitir o julgamento. No entanto, em um ano eleitoral, a decisão foi amplamente antecipada por setores conservadores do país.
A sentença, relacionada ao caso conhecido como “Causa Vialidad”, foi mantida em decisão unânime, que abala as estruturas do sistema político e judicial argentino. Marcada por diversas controvérsias, a decisão na prática impede que Cristina Kirchner participe das próximas eleições.
O acórdão, de 26 páginas, assinado pelos três ministros da Corte – Horacio Rosatti, Carlos Rosenkrantz e Ricardo Lorenzetti –, confirma a condenação proferida em 2022 pelo Tribunal Oral Federal 2 (TOF 2), presidido por Jorge Gorini, juiz com vínculos políticos conhecidos. Em 2024, a condenação já havia sido ratificada pela Câmara Federal de Cassação Penal, consolidando o processo.
A sentença impõe, além da pena de prisão e a inelegibilidade definitiva para cargos públicos, o confisco de aproximadamente 84 bilhões de pesos argentinos como forma de reparação econômica.
“A democracia está em perigo”
Desde as primeiras horas da manhã, ocorreram em todo o país bloqueios de estradas e grandes mobilizações contra a decisão do Supremo. A Confederação Geral do Trabalho (CGT) divulgou um comunicado intitulado “A democracia está em perigo”, no qual expressou solidariedade à ex-presidente e alertou sobre os riscos do que considera uma perseguição e suspensão política.
A principal central sindical questionou a decisão judicial, alegando que qualquer sentença que coloque em dúvida as regras democráticas compromete o funcionamento institucional normal do país. Além disso, denunciou irregularidades no processo, como a antecipação da divulgação de medidas pela mídia e o que chamam de “manipulação informativa”, que, segundo eles, teve o objetivo de violar as garantias processuais.
A CGT também comparou o caso com situações similares na região, citando o emblemático exemplo de lawfare contra Luiz Inácio Lula da Silva, no caso Lava Jato. A central rejeitou firmemente o que considera uma ofensiva midiática e política destinada a suspender candidatos que defendem interesses nacionais e populares.
O comunicado conclui que a perseguição judicial a figuras do peronismo e outros setores aliados não apenas busca excluí-los do jogo eleitoral, mas também responde a um modelo econômico e social que aprofunda a desigualdade, a fragmentação social e o empobrecimento das maiorias.
Irregularidades denunciadas
Ao longo do julgamento, a defesa denunciou graves irregularidades no processo, questionando a imparcialidade dos juízes e promotores, mencionando até encontros pessoais com figuras políticas opositoras como Mauricio Macri e Patricia Bullrich.
Também argumentaram que a ex-presidente não tinha atribuições diretas sobre as obras licitadas, pois foram aprovadas pelo Congresso e executadas por órgãos autônomos como a Vialidad Nacional e o governo provincial de Santa Cruz. Por isso, alegam que ela não pode ser responsabilizada por decisões administrativas fora de seu controle.
Outro ponto destacado foi a ausência de perícias técnicas que comprovassem superfaturamento ou obras não realizadas. Das 81 licitações analisadas, apenas três foram periciadas, com conclusões contraditórias. Não houve comparação dos custos com outras províncias nem consideração das particularidades locais.
Durante a alegação do Ministério Público, foram utilizadas provas alheias ao caso, como conversas de outro processo judicial. A defesa destacou a ausência de provas concretas e que Cristina foi impedida de responder a essas acusações, o que gerou questionamentos sobre a transparência e equidade do julgamento.
O que pode acontecer?
Devido à idade de 72 anos, a ex-presidente poderá solicitar o cumprimento da pena em prisão domiciliar, possibilidade que já foi apresentada à Justiça. A confirmação da sentença tem consequências imediatas para o cenário eleitoral, pois Cristina Kirchner fica impedida de participar das eleições legislativas marcadas para 7 de setembro. Ela pretendia concorrer a uma cadeira na Legislatura da Província de Buenos Aires, na Terceira Seção Eleitoral, tentativa agora inviabilizada pela decisão judicial.
Desde o anúncio de sua candidatura, a pressão sobre os ministros do Supremo aumentou para que confirmassem a condenação antes do prazo final de inscrição eleitoral, previsto para 19 de julho. Setores da oposição exigiram uma definição rápida para impedir sua participação.
Os ministros afirmaram que as decisões anteriores foram baseadas em provas contundentes e seguiram rigorosamente a legislação vigente. “O devido processo legal foi garantido e a recorrente obteve uma sentença fundamentada na lei”, afirmaram, fechando as portas para novos recursos.