A Vara de Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal suspendeu na última quinta-feira (5) as licenças de uso de água destinadas à instalação da Usina Termelétrica Brasília (UTE Brasília), em Samambaia. A decisão do juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros atende parcialmente a uma Ação Civil Pública movida pelo Instituto Internacional Arayara, que apontou graves irregularidades no licenciamento do megaempreendimento.
O projeto da empresa Termo Norte Energia, orçado em R$ 6,5 bilhões, pretendia captar 110 mil litros de água por hora do Rio Melchior, já classificado como nível 4 – a pior categoria ambiental existente, que proíbe qualquer uso humano das águas.
No entanto, essa vitória judicial é resultado de intensa mobilização popular articulada desde março. A campanha “Xô Termelétrica” reuniu o Movimento Salve o Rio Melchior, o Fórum de Defesa das Águas do DF, escolas, deputados distritais e lideranças comunitárias. Além disso, uma petição pública online já havia coletado milhares de assinaturas contra o projeto.
“É uma decisão que nos dá esperança. Mostra que a justiça está atenta e que a sociedade civil tem força”, comemora Lúcia Mendes, coordenadora do Fórum de Defesa das Águas, do Clima e Meio Ambiente do Distrito Federal. “Estamos falando da água e de uma energia cara e suja que Brasília não precisa. Essa luta é pela vida.”
Dados defasados e violação do princípio da precaução
A ação também revelou que as licenças concedidas pela Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do DF (Adasa) se basearam em estudos hidrológicos e meteorológicos de até 13 anos atrás. Assim, ignorando as atualizações realizadas em 2020 no Plano de Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos da Bacia do Paranaíba.
“Estamos diante de uma violação do princípio da precaução ambiental”, afirma Juliano Bueno, diretor técnico do Instituto Arayara e doutor em riscos e emergências ambientais. “Licenciar um empreendimento com base em dados ultrapassados, sem avaliar corretamente os impactos sobre uma bacia hidrográfica crítica, compromete não só o meio ambiente, mas a saúde pública e os direitos fundamentais da população.”
Segundo os estudos apresentados na ação, 94% da água captada retornaria ao rio em temperatura elevada, o que agravaria ainda mais a situação ecológica. O Rio Melchior já recebe quase o dobro de esgoto tratado em relação a capacidade natural de vazão.
Além disso, entre os impactos sociais mais graves do projeto está a ameaça à Escola Classe Guariroba, única instituição de ensino rural da região. Ela atende mais de 348 crianças da rede pública e a proposta da empresa prevê a demolição da escola para dar lugar ao complexo.
Poluição atmosférica atingiria todo o DF
Estudos do Departamento de Geociências e Saúde Ambiental do Instituto Arayara indicam que a queima de Gás Natural Liquefeito (GNL) liberaria poluentes tóxicos que atingiriam não apenas as periferias, mas todo o Plano Piloto e regiões administrativas do DF.
“A combinação de poluentes pesados, ar extremamente seco e padrões de vento locais pode transformar Brasília em uma câmara de poluição atmosférica”, alerta o estudo técnico. Os impactos incluiriam aumento de doenças respiratórias, sobrecarga do Sistema Único de Saúde (SUS) e possibilidade de chuva ácida.
Na decisão, o magistrado destacou a contradição entre o projeto e os compromissos climáticos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris. O país comprometeu-se a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e 43% até 2030, além de promover a “descarbonização da matriz energética”.
A empresa Termo Norte Energia ainda pode recorrer da decisão.