Participo desde o início do Movimento contra a tirolesa no Pão de Açúcar – declarado Patrimônio Mundial pela Unesco -, formado por ONGs ambientalistas, para impedir que seja desfigurado. A pedido do movimento, promovi reunião com o então presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o órgão federal do tombamento.
Os montanhistas mostraram fotos e vídeos das pedras sendo quebradas na encosta, no corpo do morro, e depois levadas de caminhão – o que era negado pela empresa responsável pelas obras, a Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar – e a proposta de ampliação da ocupação na parte de cima do Morro da Urca. Participei ainda de três manifestações na Praia Vermelha contra esse projeto.
O movimento ambientalista contra a tirolesa teve o apoio do Ministério Público Federal (MPF), que foi quem ajuizou a ação com pedido e fundamentação das ONGs. E que veio conseguindo até agora impedir essa obra, que foi paralisada desde abril de 2023. Mas que infelizmente acabou de ter sua continuidade autorizada, na última terça-feira (10), pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) – antes do julgamento final do mérito da ação civil pública impetrada pelo MPF.
Estamos agora estudando como recorrer dessa decisão antiecológica. Infelizmente, as pressões econômicas a favor das obras são muitas. Até agora, por exemplo, não consegui colocar em votação na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) projeto de lei que impede qualquer descaracterização da encosta dos morros da Urca e do Pão de Açúcar. A manutenção da vegetação no Morro da Urca impediria a ampliação da ocupação do seu topo; como pretendido pelo projeto de instalação da tirolesa, que prevê a retirada de várias árvores.
O que é incrível é que esse processo está todo viciado desde o início. No pedido de licença das obras, foi criminosamente omitido que ia haver desmonte de rochas para efeito de preparar o caminho e a fixação dos cabos da tirolesa. Tampouco foram levadas em conta, no caso de aumento do fluxo de turistas, os impactos de vizinhança numa região já bastante congestionada.
Sem contar o aumento do barulho! Quem já viu uma tirolesa funcionando sabe que as pessoas quando sobem e descem fazem uma gritaria só. Isso, com uma pessoa só, não é grave, mas com várias ao mesmo tempo, toda hora e todo dia, os gritos vão repercutir nas rochas, aumentando o incômodo sonoro no entorno.
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O incrível é que a Companhia Caminho Aéreo do Pão de Açúcar já fez várias tentativas de ampliar suas atividades, de levar para outras áreas os cabos até lá, talvez até para o Leme, e sem levar em conta o Conselho da Área de Proteção Ambiental da região ou ouvir os moradores. Zero consulta!
Também já foi denunciado que fizeram festas fechadas de casamento, interrompendo por um dia inteiro a visitação turística ao Pão de Açúcar. Então, está havendo uma série de desrespeitos, e me custa crer que exista um projeto dessa natureza, inclusive com essas falsificações gritantes, e que tem sua continuidade autorizada pelo STJ.
Como é que você vai arrancar blocos de pedra de um patrimônio da humanidade reconhecido pela Unesco? Como é que isso foi passando por várias etapas de licenciamento? Em suma, só veem a questão de ampliar um empreendimento turístico, de olho no aumento dos seus lucros, e não percebem que estão descaracterizando o Pão de Açúcar.
Para conseguirmos a ampliação ou criação de vários parques estaduais aqui no Rio, quando estivemos à frente da Secretaria de Estado do Ambiente, como o da Ilha Grande, na Costa Verde, ou o parque da Costa do Sol, na Região dos Lagos, convencemos a maioria dos hoteleiros de que você ia acabar perdendo a vinda de turistas de mais alto nível quando tivesse as encostas dos parques completamente desfiguradas, quer pela favelização, quer por empreendimentos. E assim foi.
Então, se você descaracteriza um monumento natural como o Pão de Açúcar, para ter mais ocupação lá em cima, como com restaurantes, bares, lojinhas e gritos de usuários da tirolesa, vai acabar perdendo até o título de Patrimônio Mundial da Unesco.
O turista não vai para o Pão de Açúcar visitar lojinhas e bares. Ele quer antes de tudo ver a paisagem mais linda do mundo.
Então, quanto mais isso fica congestionado e descaracterizado, vai perdendo o encanto. Nós defendemos, sim, o turismo, o ecoturismo, a acessibilidade, uma visitação consciente, mas muitas vezes as pessoas se curvam ao interesse econômico imediatista e predatório que pode ter como consequência até a redução do próprio turismo, se aquilo fica infernizando a vida dos moradores do entorno e se a gente perder esse título de patrimônio da Unesco.
Então, vamos continuar resistindo, sim, por um Rio lindo que não esteja à venda e que não seja descaracterizado e desmatado. Temos que ter uma cidade para o cidadão, para o meio ambiente, adaptada às mudanças do clima e preservando suas maravilhas. Viva o Pão de Açúcar sem tirolesa!
* Carlos Minc é deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB).
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.