O Ministério das Relações Exteriores da Venezuela denunciou nesta terça-feira (10) o que chamou de “golpe político e judicial” contra a ex-presidenta da Argentina Cristina Kirchner. A chancelaria venezuelana diz que a líder peronista é vítima de “perseguição brutal” de um sistema judicial “subordinado ao projeto autoritário de Javier Milei”.
“Essa decisão ilegítima e ilegal busca inabilitar pela força quem representa o coração político e emocional de milhões de argentinos e argentinas. Não se trata de justiça; trata-se de apagar o adversário com métodos coloniais, impondo a sangue e fogo um modelo econômico e social concebido para subjugar a Argentina ao capital financeiro internacional”, afirma em nota.
O texto também compara o processo contra Cristina com a ditadura argentina, responsável pelo desaparecimento de 30 mil pessoas. O ministério diz que o objetivo agora é fazer desaparecer “politicamente a uma líder democrática” que teve como principal delito “governar para as maiorias e resistir a entregar seu país”.
Caracas afirma que esse não é um ato isolado na América Latina, mas parte de um golpe contra lideranças de esquerda. A chancelaria lembra dos ataques denunciados pelo presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e também afirma que houve uma fraude eleitoral no Equador que prejudicou a candidata progressista Luisa González.
O comunicado ainda pede para que os movimentos populares e governos “enfrentem esse ataque pelo que ele é: uma guerra abrangente contra a dignidade e a autodeterminação da região”.
Cristina foi condenada pelo Tribunal Oral Federal Nº 2 (TOF2) da Argentina a seis anos de prisão e inabilitação perpétua para exercer cargos públicos pelo caso conhecido como Causa Vialidad. Ela é acusada de favorecer o empresário Lázaro Báez em 51 projetos de estradas públicas a partir de licitações públicas na província de Santa Cruz durante os governos de Néstor e Cristina Kirchner entre 2003 e 2015.
Ela era pré-candidata a deputada estadual por Buenos Aires e, na prática, a condenação a retira da disputa eleitoral deste ano.
Kirchner e Venezuela
A ex-presidenta sempre teve uma relação próxima com os governos chavistas na Venezuela. Depois de eleita como mandatária em 2007, Cristina teve um encontro com o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez durante a cúpula do Mercosul em dezembro daquele ano. Ela assumia a presidência do bloco e defendeu a incorporação da Venezuela.
“Assumo a presidência [do bloco] com o objetivo de incorporar a Venezuela, o que nos permitirá finalizar o panorama energético”, disse em seu discurso. Durante a ocasião, Chávez pediu um “pequeno troféu” por ter tido “resiliência” para esperar a entrada no Mercosul, já que ele pedia adesão ao bloco desde que assumiu o governo, em 1998.
Um ano depois, Kirchner e Chávez tiveram uma reunião trilateral em Buenos Aires com o então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Na ocasião, foram firmados acordos energéticos entre os países e a criação de uma joint venture entre a PDVSA (Venezuela) e a ENARSA (Argentina) para exploração de petróleo.
Em 2009, os dois tiveram encontros em Buenos Aires e Caracas e assinaram acordos para a instalação de uma planta de processamento de gás natural na Venezuela. Os dois presidentes também criaram uma comissão binacional para acompanhar questões de “interesse comum”. Os venezuelanos também passaram a financiar projetos argentinos em troca de alimentos e inserção tecnológica. O financiamento se deu porque Caracas havia comprado cerca de US$ 7 bilhões (R$ 38 bi) em títulos argentinos.
Os dois mantiveram encontros nos anos seguintes em cúpulas da Unasul, Celac e Mercosul. Em todos elas, Chávez defendia a posição da Argentina sobre as Ilhas Malvinas e Kirchner apoiando o governo chavista em meio a ataques estrangeiros tanto midiáticos como diplomáticos.
Quando Chávez morreu em 2013, Kirchner foi ao funeral e se reuniu com o novo presidente, Nicolás Maduro. O mandatário venezuelano visitou Buenos Aires naquele mesmo ano para reforçar a relação bilateral e os acordos firmados entre os países. No ano seguinte, os dois se encontraram novamente e Cristina voltou a defender a Venezuela, denunciando a tentativa de um “golpe suave”, já que Caracas era palco de manifestações da extrema direita.
Em 2015, ocorreu o último encontro de Cristina Kirchner como presidenta com Nicolás Maduro em uma cúpula da Celac. Na ocasião, a peronista voltou a elogiar Maduro e criticou todo o movimento desestabilizador da Venezuela.