Com letras que exaltam caminhonetes de luxo, gado de raça e fazendeiros milionários, o sertanejo tem se consolidado como a trilha sonora do agronegócio. Para a pesquisadora Ana Chã, autora do livro Agronegócio e Indústria Cultural, o chamado “agronejo” se tornou uma poderosa ferramenta de propaganda que ajuda a construir uma imagem positiva do setor agropecuário, escondendo suas contradições sociais, econômicas e ambientais. O gênero lidera as plataformas digitais no Brasil nos últimos anos.
“O agronejo faz parte desse grande projeto político, cultural e econômico do agronegócio, numa tentativa de criar uma identidade nacional como o agro, esse agro que quer ser tudo”, afirma Chã, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato. O estilo representa uma virada no imaginário sobre o campo: enquanto o sertanejo das décadas passadas retratava a vida rural com nostalgia e simplicidade, o agronejo vende uma ideia de sucesso e sofisticação, com elementos do pop, funk e eletrônico.
Chã analisa que essa estética da ostentação serve também para apagar os conflitos existentes no campo. “A música é uma forma de esconder primeiro essa complexidade da questão agrária brasileira, que há conflito, movimentos sociais que lutam pela terra”, diz. Para ela, ao repetir o slogan de que “o agro é tudo”, o discurso musical ajuda a inviabilizar debates sobre alternativas como a reforma agrária e a agricultura familiar. Enquanto se vende como única solução, o agronegócio “não gera emprego, tem muitas denúncias de trabalho análogo à escravidão e produz uma série de problemas ambientais”, reforça.
A autora também chama atenção para o alinhamento do agronejo com a extrema direita. “É uma defesa de um projeto político conservador, com valores nacionalistas”, avalia. Ela menciona a tentativa de entrada de cantores sertanejos na política, como no caso de Gusttavo Lima, que se lançou como pré-candidato à presidência no início do ano, e depois voltou atrás. Ela aponta que o gênero se tornou parte de uma “guerra cultural” com forte apelo moral e ideológico, ligado à promoção do “capitalismo selvagem”.
Ana Chã destaca que a influência do agronegócio no campo da cultura vai além da música e se estende a rodeios, feiras agropecuárias, novelas e ações em escolas e bibliotecas. Mas é principalmente o agronejo, com sua popularidade nas plataformas digitais, que ocupa o papel de “braço cultural do agro”, um projeto de poder que disputa os rumos da sociedade brasileira.
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