A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul sediou, nesta quarta-feira (6), o lançamento da 6ª Conferência Estadual das Cidades, etapa preparatória para a 6ª Conferência Nacional, que ocorrerá em Brasília, em outubro. A etapa estadual será de 29 a 31 de agosto, em Porto Alegre, com foco na formulação do Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano.
Habitação, regularização fundiária, saneamento, mobilidade urbana e emergência climática foram os principais temas do evento. Os municípios têm até 30 de junho para realizarem suas conferências, com convocação oficial até 16 de junho. Caso as prefeituras não convoquem, a sociedade civil pode assumir a organização, articulando os quatro segmentos previstos no regimento nacional.
Durante a cerimônia, lideranças reforçaram a importância da participação social e da reconstrução das políticas urbanas após anos de desmonte institucional.
O presidente da Assembleia, deputado Pepe Vargas (PT), destacou que pensar as cidades é um desafio que se agrava com as mudanças climáticas. “Não é só o problema das águas em excesso, mas também da escassez, entre outras questões”, afirmou. Para ele, o direito à moradia deve estar vinculado ao acesso ao trabalho, lazer, saneamento e outros elementos essenciais à vida urbana.

Vargas afirmou que, embora a adaptação climática seja importante, a mitigação deve ser prioridade. Citou uma reunião com representantes deo município de Viamão (RS) sobre obras de proteção contra cheias, mas alertou que é prciso ““precisamos “cuidar melhor das matas ciliares, da absorção da água pela terra”. Garantiu apoio institucional da Assembleia para fortalecer a participação popular e a formulação de resoluções com impacto real nas políticas públicas.
Representante da Secretaria Estadual de Habitação, Ana Brunetta lembrou que os movimentos sociais deram o primeiro passo na convocação da conferência, enquanto o RS ainda enfrentava os efeitos das enchentes. “Tivemos dificuldades climáticas que deixaram marcas profundas, e ainda teremos uma longa caminhada de reconstrução”, disse.
Ela ressaltou que a conferência está em fase de consolidação e deve engajar todos os municípios. “O Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano não vai tratar só do RS. A política pública será nacional, e os delegados eleitos terão papel fundamental para garantir que essa política seja de Estado, não apenas de governo. Seria importante que todos os municípios que ainda tivessem tempo, tivessem condições, entrassem no site da Rede para Desenvolvimento Urbano Sustentávell (Redus), onde deve ser feito o cadastramento das informações da conferência.”
Importância da Conferência
Para o representante Frente Nacional dos Diretores pela Reforma Urbana no Conselho Nacional das Cidades, Engenheiro Comassetto, a retomada da conferência representa esforço de reconstrução institucional. “Com o desmonte recente das políticas públicas e da participação social, estamos recuperando memória, estrutura e articulação”, afirmou. Defendeu a criação de um Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano, nos moldes do Sistema Único de Saúde (SUS), para garantir que os recursos cheguem efetivamente à ponta, já que muitos municípios recebem verba para habitação, mas não conseguem executar projetos por anos.
Comassetto fez um apelo aos legislativos municipais para convocarem suas conferências até o fim do prazo. “O RS é um dos estados com menor número de municípios convocando conferências. Precisamos mudar isso”, destacou, lembrando que a institucionalização do sistema urbano enfrentará resistência no Congresso conservador.
Integrante da ONG Acesso – Cidadania e Direitos Humanos, Júlio Alt reforçou a importância do diálogo entre os setores da sociedade. “Quantas decisões sobre as cidades passam pelo Judiciário, Legislativo ou Executivo? Por isso, o poder público deve estar presente nas conferências”, afirmou. O desafio, segundo ele, é garantir que academia, sociedade civil organizada e movimentos populares construam juntos propostas para enfrentar o déficit habitacional e os efeitos da crise climática.
Alt lembrou que eventos climáticos extremos não afetam só o RS: “Minas, Alagoas, São Paulo, Rio… todos estão sujeitos. Pensar a cidade é pensar essas emergências, que agora fazem parte da nossa realidade.” Ele também destacou que conferências eficazes só ocorrem com a mistura de segmentos e pensamento coletivo.

Direito à cidade
Coordenadora do Observatório das Metrópoles, Vanessa Marx destacou que a análise dos dados das conferências municipais permitirá avaliar o avanço do direito à cidade. “Muitas cidades carecem de infraestrutura, e os vazios urbanos se acentuaram. A moradia sempre foi central, mas agora se tornou ainda mais urgente”, disse.
Ela apontou a falta de diagnósticos claros como entrave para políticas eficazes. “As conferências podem ajudar a suprir essa lacuna”, afirmou, incentivando os municípios a inscreverem suas conferências até 30 de junho. “O RS começou tarde, mas ainda pode ter uma incidência significativa na Conferência Nacional.”
Coordenadora da conferência estadual e integrante do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), Ceniriani Vargas da Silva (Ni) disse que a conferência é uma oportunidade para que o povo seja ouvido na construção da política pública. “A reconstrução das cidades exige pensar habitação, saneamento, regulação fundiária, mobilidade e emergência climática. Tudo isso é pauta da conferência.”
Ela lembrou que, após mais de uma década sem conferência, houve desmonte do Ministério das Cidades e do Conselho Nacional. “Estamos retomando esse processo de reconstrução, e o povo precisa ter protagonismo. O recurso público está disponível, como mostrou a visita do ministro Rui Costa, mas falta projeto, fiscalização, controle social e diálogo com a população.”
Para Ni, o objetivo da conferência é transformar ideias em políticas públicas que impactem a vida do povo. “Temos grandes desafios, mas também a chance de fazer diferente. É isso que estamos tentando construir: uma política feita a muitas mãos.”

Conferências Populares e desafios no interior
Integrante da da Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam), Marcelo Dias destacou dificuldades da sociedade civil para participar das conferências municipais, principalmente no interior. “Visitamos cidades como Pelotas e vimos grande dificuldade de entendimento sobre o processo. Muitas associações comparecem sem saber o que vai acontecer. Em uma reunião, enquanto discutíamos saneamento básico, alguns moradores falavam só de problemas domésticos, sem entender a amplitude do debate.”
Dias defendeu a criação de materiais informativos e seminários preparatórios para lideranças comunitárias do interior, que não têm o mesmo acesso à informação que os grupos da Capital. “Aqui em Porto Alegre, estamos perto da Assembleia e do governo, conseguimos dialogar. No interior, muitos chegam sem saber como será a conferência, e isso prejudica o processo”, alertou.
Mobilização para garantir o direito à cidade
Representando a Federação Gaúcha das Uniões e Associações de Moradores e Entidades Comunitárias, Cissa D’Avila comemorou o retorno das conferências após quase 11 anos e reforçou a importância da mobilização popular. “É fundamental que a sociedade civil esteja junto do poder público para garantir o direito à cidade para todos”, afirmou.
Ela também destacou que, em muitos municípios, a divulgação ainda é insuficiente e incentivou a população a procurar informações junto às prefeituras. “Se na sua cidade ainda não divulgaram a conferência, vá atrás, pergunte, veja se já foi inscrita. É importante que, depois de um desastre como o que vivemos, a população se disponha a pensar a cidade de forma diferente.”
As inscrições para as conferências municipais vão até 16 de junho e os encontros devem ocorrer até 30. A expectativa é eleger ampla delegação do RS para a etapa nacional.
“Queremos levar nossa experiência e construir coletivamente, porque o que vivemos aqui também acontece em outros estados. Precisamos pensar juntos um novo modelo de cidade”, concluiu.
Informações e detalhes sobre as etapas municipais podem ser obtidas neste link.
