Gustavo Petro mais uma vez colocou à prova sua capacidade de mobilização e tentou mostrar para os colombianos compromisso com um projeto progressista. O presidente da Colômbia reuniu milhares de apoiadores em uma praça de Cali, um de seus principais redutos eleitorais, e assinou um decreto para convocar a consulta popular. Mas, dessa vez, o mandatário deu claros sinais de que a disputa em torno das reformas no país fazem parte também da disputa eleitoral de 2026.
Os apoiadores entoaram cantos pedindo a “reeleição” do presidente, mas, no discurso da noite da quarta-feira (11), Petro lembrou que o movimento não é permitido pela Constituição e que, mais importante que eleger uma pessoa, é eleger um “projeto de país”.
“Não gosto do poder, muito menos desse palácio (presidencial) aristocrático e frio. Só peço ao povo colombiano que, se for impedido de se expressar [na consulta], seja à força ou não, que reeleja não apenas uma pessoa, mas o projeto de mudança e de vida neste país”, afirmou.
A consulta popular proposta por Petro levará à população 16 perguntas sobre reformas nas leis trabalhistas, saúde e aposentadoria no país. A meta do governo é aumentar os direitos e as garantias constitucionais para trabalhadores e melhorar o atendimento de saúde a partir da gestão pública dos recursos.
O Senado recusou a proposta de Petro, que passou a ameaçar aprová-la por decreto. A medida, no entanto, não tem precedentes, já que as consultas na Colômbia sempre passaram pelo Legislativo antes de serem apresentadas à população. O presidente afirmou que a proposta é importante e foi defendida por organismos internacionais e por intelectuais.
“Ela é absolutamente necessária, porque, primeiro, teve o apoio do mundo, tanto intelectual quanto político. Segundo: a OIT (Organização Internacional do Trabalho) apoiou a reforma da previdência, dizendo que ela é justa, válida e seria um avanço para a humanidade. E terceiro, porque a Constituição de 1991 propôs um Estado Social de Direito”, declarou o chefe de Estado.
Em seu discurso, Petro defendeu uma jornada de 8 horas de trabalho que terminaria às 18h. Ele pediu também que não haja discriminação com os jovens trabalhadores e reforçou a necessidade da valorização dos salários, assim como uma aposentadoria para agricultores.
O presidente também falou sobre a desidratação da Constituição promovida por setores neoliberais colombianos. Para ele, ainda que a Carta Magna de 1991 fale sobre um Estado social de Direito, os políticos de direita têm se preocupado em “construir um neoliberalismo que só serviu para nos mergulhar em mais violência e mais desigualdade social”.
Ele também sugeriu que, caso a proposta não seja aceita pelo Senado, poderia convocar uma Assembleia Constituinte para renovar a Constituição do país. Políticos opositores têm ameaçado “processar” o decreto de Petro e entrar em uma disputa judicial sobre a consulta.
Para que a consulta seja válida, é preciso que ao menos um terço dos eleitores inscritos no Conselho Nacional Eleitoral (CNE) participem do pleito. Hoje, cerca de 40,9 milhões de eleitores estão aptos a votar na Colômbia. Por isso, 13,6 milhões devem votar no país para garantir a validade da consulta.
Reformas estruturais
As reformas propostas por Petro foram apresentadas há dois anos e visam mudanças estruturais. A trabalhista tem como ponto principal o aumento da estabilidade para os trabalhadores, dando prioridade a contratos permanentes, na contramão do que muitos países vêm fazendo nos últimos anos, inclusive o Brasil, que aprovou uma maior flexibilização nos contratos de trabalho.
Na saúde, reduziria a participação privada na gestão de hospitais e postos de saúde. Para Petro, isso reduziria a corrupção no setor, melhoraria o atendimento aos bairros e cidades sem unidades de referência e ampliaria o atendimento primário. A única reforma aprovada foi a da aposentadoria, que começou a valer em 1º de junho, mas ainda é analisada pela Corte Constitucional. O texto muda a forma de contribuição dos trabalhadores dentro do sistema da previdência.
Para transferir essa discussão do Senado para a população, a ideia do governo era realizar uma consulta popular para ouvir em 16 perguntas a opinião da população sobre essas reformas. Se aprovada na consulta, o Executivo e o Legislativo são obrigados a transformá-las em lei, decreto ou resolução. É papel do governo também ampliar os debates das leis aprovadas para adequá-las à Constituição.
Em resposta a essa “ameaça” de Petro, o Senado retomou a discussão sobre uma reforma trabalhista. Petro disse que aquele não era seu projeto, mas que havia um texto sendo debatido na Câmara que se aproximava das suas propostas e disse confiar que as duas Casas chegariam a um consenso que fosse benéfico para a população.
Minuto de silêncio e ataques estrangeiros
Ao final do seu discurso de 1 hora, Petro pediu um minuto de silêncio em homenagem ao senador de direita Miguel Uribe, que foi baleado em um ato público, ataque que gerou comoção nacional. O político está internado em estado grave, mas no último boletim médico, a Fundação Santa Fé afirma que o quadro de saúde está estável.
O presidente também denunciou uma nova tentativa de ataque contra ele que teria sido promovida pelos Estados Unidos. Ele citou a participação de um líder da extrema direita colombiana nessa articulação, mas evitou citar nomes.
“Um presidente vizinho diz que o Sr. Marco Rubio está organizando um golpe de Estado contra mim. Também tenho informações e sei que um certo líder da extrema direita tem conversado com o Secretário de Estado. E também sei que há uma gravação por aí, que mostrei ao Procurador-Geral, na qual um certo líder da extrema direita na Colômbia — que não é [Álvaro] Uribe, veja bem — está aliado a traficantes de drogas que buscam fazer com que pessoas e forças na Colômbia, sindicatos e a extrema direita nos Estados Unidos deem um golpe de Estado na Colômbia”, disse.