Uma lenda famosa entre moradores do litoral gaúcho, de uma noiva que apareceria de branco para caminhoneiros que passam pela Lagoa dos Barros, foi resgatada pelo projeto Se Nossa Kombi Falasse para discutir o feminicídio no Rio Grande do Sul.
O mistério em torno de tal aparição esconde um crime bárbaro ocorrido em agosto de 1940, envolvendo duas famílias da elite de Porto Alegre. Maria Luiza Haüssler, de apenas 17 anos, foi raptada, estuprada e assassinada por seu namorado Heinz Werner João Schmeling, de 19 anos.

A jornalista Mariana Campos e o fotógrafo Caio Paganotti, idealizadores do projeto Se Nossa Kombi Falasse, estão viajando de kombi pelo litoral gaúcho desde janeiro de 2025, atrás de boas histórias. Na estrada, sempre ouviam pessoas comentando sobre a noiva da Lagoa dos Barros (localizada entre Osório e Santo Antônio da Patrulha) em tom de brincadeira ou alerta.
“Ao longo de nossa jornada contando histórias pela BR 101 no Rio Grande do Sul, nos alertavam sobre esse ‘fantasma’ que poderia aparecer quando passássemos pela Lagoa dos Barros, mas nunca ninguém mencionou que a tal ‘noiva’ era uma jovem vítima de feminicídio”, afirma Paganotti.
No fim de abril, o casal estava pesquisando sobre a “noiva da lagoa” quando leu no noticiário que, somente no feriado de Páscoa deste ano, 12 mulheres do Rio Grande do Sul haviam sido assassinadas por homens com os quais tinham alguma relação. Decidiram então produzir um episódio sobre o assunto para a websérie que têm no YouTube, Expedição BR 101 Histórias.

Mariana e Caio convidaram então a professora e historiadora Isabel dos Santos para participar do episódio. Na entrevista, Isabel traz detalhes do caso de 1940 e o conecta com a atualidade, denunciando a cultura machista e misógina. Ela defender que o fortalecimento de políticas públicas e da (re)educação, para que outras tragédias sejam evitadas. Ao narrar casos de violência doméstica que testemunhou quando criança na periferia de Osório, sua cidade natal, ela chamou a atenção para a naturalização desse tipo de crime.
“A violência contra as mulheres, que é cotidianamente presenciada ou vivida por muitos desde criança, leva à naturalização dessa cultura e constrói um círculo de repetição da violência. Só romperemos com ele por meio da implementação de políticas públicas de proteção às mulheres e, principalmente, de ações educativas que preparem as crianças a respeitarem a diversidade”, diz Isabel dos Santos. “Não nascemos machistas, racistas, homofóbicos. Somos ensinados a ser assim e, se aprendemos a ser violentos, podemos desaprender”.
Levantamento divulgado nesta quarta-feira (11) pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública mostra que o Brasil registrou alta de feminicídios em 2024, com 1.459 vítimas, um aumento de 0,69% comparado a 2023, com 1.449 assassinatos.

“Os dados recém-publicados, relacionados a 2024, apontam que quatro mulheres são mortas por dia no país. Isso sem contar a subnotificação, pois nem sempre há a tipificação correta do crime. Em 2025, estamos testemunhando uma nova onda de violência contra as mulheres, isso é muito grave”, afirma Campos.
“Com este episódio, esperamos ajudar a jogar luz sobre o problema da violência doméstica e de gênero, que, para ser solucionado, precisa de uma reforma radical na esfera pública, desde as instituições de ensino às de segurança”, defende. “Se o Brasil quiser deixar de ocupar o 5º lugar no ranking dos países que mais matam mulheres no mundo, é preciso alertar, educar e mobilizar para o fim da violência”.
O Episódio 8 da Expedição BR 101 Histórias, “Isabel e a lenda da noiva da Lagoa dos Barros”, estreia no próximo domingo (15), às 10h, no YouTube.
