A felicidade existe. Depende dos sonhos e das ambições de cada um. Rogério Castro acredita nela no seu mundo de morador de rua, agora devidamente instalado em um pequeno apartamento no bairro São Geraldo, em Porto Alegre. Ele passou frio, calor, incômodos de todo tipo de insetos.
A sua persistência e insistência diária lhe proporcionaram a felicidade que vive agora. Gastou os dedos em ligar para todos os tipos de entidades ligadas à assistência social e finalmente saiu das ruas, onde passou os últimos 14 meses. “Estou dormindo como um anjo”, agora. “Eu e a Judite, minha cadelinha, e fiel companheira de meses de provação”, me disse ele.

Ele se instalou e foi montando, aos poucos, uma pequena cabana na rua Mata Bacelar, quase esquina Xavier Ferreira, na capital Porto Alegre (RS) no início da enchente em maio do ano passado. Juntou madeiras, restos de obras e outras quinquilharias “que as pessoas jogam fora” e fez o seu “chalé” de sobrevivência. Ficou bem ajeitadinho. Mas não era legal viver assim. Sofria até roubos do quase nada que tinha e que foi ganhando.
Hoje (16), o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) levou todo o material embora. Não sobrou nada. Nem Rogério apareceu para ver o fim da sua morada. Já estava instalado no seu apartamento, obtido com aluguel social e outros benefícios sociais.

Ele levou tudo da sua cabaninha que poderia ser útil, como colchão, cobertas, cadeira, panelas, e outras “bugigangas” que serão úteis a partir de agora. A mudança foi feita em carrinho de supermercado. “Era o que tinha à mão, não tinha como pedir ajuda para ninguém”, ressalta.
Judite é sua companheira há seis anos. É uma cadelinha que adotou nas ruas do Parque dos Maias, quando ela estava com cinco meses. Não desgruda de Rogério, nascido no bairro Areal em Pelotas, no dia 2 de maio de 1968. Há muitos e muitos anos – ele nem lembra mais o ano exato – saiu daquela cidade. Diz que houve um desentendimento geral com a família. Pai e mãe já haviam morrido e não se dava bem com os irmãos. Viviam de brigas. Depois de umas confusões e algumas gritarias, pegou suas coisas e se mandou. Nunca mais voltou e nem soube de mais nada dos familiares, irmãos, sobrinhos.
Família
Foi casado, mas a mulher, Sônia, morreu há mais de 20 anos. O filho foi para São Paulo há muito tempo e nunca mais apareceu para saber alguma coisa do pai. “Ele também nem sabia onde eu estava. Resultado é que sou um cara sozinho, que fala com todos que aparecem pela frente, lê a bíblia e passeia com a sua cachorrinha.”
“Estou feliz e alegre. Recebi muitas orientações das pessoas aqui que conviveram comigo na Mata Bacellar. Recebi muita ajuda. Agora, na mudança, também ganhei eletrodomésticos, como liquidificador, fogão a gás e outras coisas”, conta ele. Diz que os tempos de vítima, onde morou, em Viamão e no Parque dos Maias e aqui na Auxiliadora, já passaram, agora ficou tudo para trás. Ele sabia que um dia a sua vida melhoraria e, agora, de fato, deu um salto. “Ganhei todos os benefícios sociais a que tinha direito e agora estou bem. Deus ouviu minhas preces”, agradece ele olhando para o céu.
Rogério está com 57 anos e agora pretende trabalhar. Diz que este é um dos compromissos com os assistentes sociais que lhe garantiram o apartamento onde está agora. “Tenho um ano para assumir um emprego. Pode ser na construção civil, fazenda limpeza ou em algum condomínio, lavando o chão ou limpando vidros. Logo, logo, vou para a fila do Sistema Nacional de Emprego (Sine), para ver o que consigo. Até já estou acostumando Judite a ficar sozinha em casa. Estou ensinando aos poucos. Saio duas ou três horas por dia e ela vai, assim, se habituando”, garante. “Quando sair para trabalhar para valer a Judite vai estar mais segura, sabendo que vou voltar, que ela não está presa e que não precisa ficar latindo”, espera ele.
Esperança

O Brasil de Fato RS já retratou três vezes a odisseia de Rogério (quando chegou na Mata Bacellar, no Natal e nas suas esperanças de conseguir ajuda social). Agora, acabou. Ele começa uma vida mais tranquila. “Fim de um ciclo, fim de um drama, fim de morar na rua. Acho que nem vamos mais nos encontrar com frequência”, diz ele para o repórter.
Rogério fala bem, diz que estudou um pouco, sabe ler, escrever, tem um velho celular que ganhou de alguém e, um dos seus orgulhos, é se comunicar com facilidade com quem quer que seja. “Isso me ajudou muito a conseguir este apartamento”, que ele não quis que fosse fotografado e nem visitado. “Nem meus amigos de rua vão saber onde moro”, conta. “É tudo meio perigoso. Os assistentes sociais gostavam até de falar comigo. Expunha tudo direitinho. Não mentia. Falava com tranquilidade e dizia só a verdade. Deu tudo certo”, afirma, aliviado.
“Minha vida vai melhorar. Tenho fé. A felicidade, para mim, é tudo que acabo de conseguir. Não passei fome, graças aos vizinhos e, agora, tenho onde dormir sem me preocupar com trovoadas, chuvas, sol forte. Graças a Deus minha vida está melhorando”, conclui ele, alegre e animado com o futuro.
* Jornalista.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
