Mostrar Menu
Brasil de Fato
ENGLISH
Ouça a Rádio BdF
  • Apoie
  • Nacional
  • Regionais
    • Bahia
    • Ceará
    • Distrito Federal
    • Minas Gerais
    • Paraíba
    • Paraná
    • Pernambuco
    • Rio de Janeiro
    • Rio Grande do Sul
  • |
  • Cultura
  • Opinião
  • Esportes
  • Cidades
  • Política
Nenhum resultado
Ver todos os resultados
Mostrar Menu
Brasil de Fato
  • Apoie
  • TV BDF
  • RÁDIO BRASIL DE FATO
    • Radioagência
    • Podcasts
  • Regionais
    • Bahia
    • Ceará
    • Distrito Federal
    • Minas Gerais
    • Paraíba
    • Paraná
    • Pernambuco
    • Rio de Janeiro
    • Rio Grande do Sul
Mostrar Menu
Ouça a Rádio BdF
Nenhum resultado
Ver todos os resultados
Brasil de Fato
Início Opinião

ARTIGO

A tentação da barbárie

‘A paz nunca foi ausência de conflito, mas luta organizada por uma outra vida’

18.jun.2025 às 17h27
Belo Horizonte (MG)
Julia Louzada
A tentação da barbárie

A barbárie não começa com a bomba, começa com a indiferença, com o embrutecimento do olhar, com a desistência da pergunta ética - Foto: Bashar TALEB / AFP

É difícil olhar para as imagens que nos chegam da Faixa de Gaza — crianças despedaçadas sob escombros, hospitais em ruínas, mulheres carregando os corpos dos filhos, etc — e não desejar vingança. É difícil não se comover com os relatos de fome, de sede, com a linguagem do desespero que atravessa os olhos das mães, dos sobreviventes. É difícil também assistir ao contra-ataque iraniano sobre o território israelense e não sentir, em alguma camada recalcada ou inconsciente, um alívio mesquinho: “pelo menos agora eles sabem o que é medo.” Há quem comemore. Mas o que é que se comemora, afinal, quando se celebra a guerra?

É preciso reconhecer que a pulsão de vingança não é apenas compreensível — ela é humana. Freud nos ensinou que o sujeito é feito de ambivalência. Desejamos e odiamos, amamos e queremos aniquilar. “A civilização é uma camada fina”, lembrava Adorno, “sob a qual a barbárie sempre pode reaparecer.” 

E ela reaparece, hoje, travestida de justiça, mas sustentada por uma lógica de extermínio. Quando desejamos a morte do outro — do outro sionista, do outro bolsonarista, do outro reacionário — sem qualquer resto de luto ou distinção entre política e carne, corremos o risco de nos tornarmos aquilo que julgamos combater.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

Como escreveu Ferenczi, em sua compreensão precoce do trauma, há momentos em que o sujeito se identifica com o agressor como forma de sobreviver. A guerra, enquanto trauma coletivo, arrasta multidões para essa identificação: comemora-se o revide como quem busca, no espelho do carrasco, uma forma de se sentir forte, no controle, finalmente vingado. Mas essa força é ilusória. 

Como diria o mesmo Freud, em Por que a guerra?, na carta que escreve a Einstein em 1932: “Tudo que promova o desenvolvimento da cultura trabalha também contra a guerra.” E mais adiante: “Se a disposição à guerra é um produto da pulsão de morte, é de se esperar que exista um contrapeso a isso na pulsão de vida. Tudo o que aproxime os seres humanos, tudo o que gere identificação entre eles, serve a essa finalidade.”

Freud e Einstein terminam essas cartas se ocupando de Por que a guerra?, mas talvez devêssemos perguntar também: por que a paz? A paz não é um dado — é uma construção frágil, uma escolha ativa, um pacto a ser sustentado todos os dias.

E então lhes pergunto: até outubro de 2023, os palestinos estavam em paz? O Oriente Médio vive em paz? Que paz é essa que se sustenta sob bloqueios, cercas, drones, ocupação militar, apartheid, escassez de água e de pão?

O Estado sionista de israel armou uma emboscada: fingiu distribuir comida a crianças famintas e, logo em seguida, abriu fogo

A paz, como lembravam as mulheres nas trincheiras da história, nunca foi ausência de conflito, mas luta organizada por uma outra vida possível. A luta das mulheres pela paz atravessa fronteiras, regimes, religiões — e clama por um futuro em que viver não seja uma ameaça. O lema da Revolução Russa — Pão, Paz e Terra — ressoa ainda hoje como um grito de urgência: que ninguém precise morrer para comer, que ninguém precise fugir para plantar, que ninguém precise matar para existir.

Mas temos, hoje, nos aproximado? Ou apenas nos armado melhor para destruir?

A identificação, como lembra Freud em Psicologia das massas e análise do eu, é a forma mais originária de laço social. Ela pode gerar comunhão, mas também exclusão: “o que me liga ao grupo é o mesmo que me obriga a expulsar quem não pertence a ele.” 

O risco, portanto, não está em desejar a queda dos tiranos — eu mesma gostaria de ver Netanyahu pendurado de cabeça para baixo, como Mussolini foi — mas sim em nos permitir tripudiar sobre os corpos dos civis, em nome de uma justiça que já perdeu sua forma humana. Porque não há justiça possível sem humanidade.

:: Acompanhe o podcast Visões Populares e fique por dentro da política, cultura e lutas populares de MG e do Brasil ::     

Vivemos tempos em que se desumaniza com facilidade. No Brasil, vemos bolsonaristas celebrando a morte dos palestinos; ontem, uma vereadora petista foi esfaqueada; em outros círculos, há quem deseje a aniquilação de todos os israelenses, como se fossem um único corpo opressor. Em ambas as extremidades, há um apagamento deliberado da singularidade. O que se mata, antes do corpo, é a possibilidade de reconhecê-lo como sujeito.

Adorno, ao comentar a frase “escrever poesia depois de Auschwitz é um ato de barbárie”, não dizia que não se pode escrever, mas que não se pode escrever como se nada tivesse acontecido. Da mesma forma, não se pode desejar a morte — de forma indistinta — como se isso não tivesse consequência. A barbárie não começa com a bomba, começa com a indiferença, com o embrutecimento do olhar, com a desistência da pergunta ética.

O feminismo, que aprendi com as mulheres da terra e da resistência, me ensinou que a liberdade começa no corpo, na casa, no ventre, na oliveira. O que desejo para as mulheres — de Gaza, do Irã, de Israel, do Brasil — é a liberdade, e não a guerra. Desejo que possam andar pelas ruas sem medo, criar seus filhos sem escassez, colher suas azeitonas sem ver tanques cruzando o campo. Que os ventres sejam sementes, e não alvos.

Os fogos que queremos sorrir ao ver no céu não podem estar a caminho de matar civis.

Escrevo também, neste momento, para não me desumanizar. Talvez o gesto mais radical, hoje, seja preservar o que ainda resta de humano em nós: escolher viver, escolher sentir, escolher ainda se comover com o sofrimento de quem, em tese, seria o inimigo.

​​Ontem fui atravessada por uma notícia que mal pude terminar de ler. O Estado sionista de israel armou uma emboscada: fingiu distribuir comida a crianças famintas e, logo em seguida, abriu fogo. Cinquenta e um palestinos assassinados. Mais de duzentos feridos. Escrevo essas palavras com o estômago revirado — abrir fogo durante a entrega de ajuda humanitária. É uma frase que não deveria ser escrita em nenhum contexto. É uma imagem que não cabe no mundo, e no entanto, está nele. Está no corpo das mães que buscaram um saco de arroz e voltaram sem os filhos. Está nos escombros, nos curativos improvisados, na terra seca com cheiro de sangue.

No mesmo dia, do outro lado do muro — físico, ideológico, histórico — israelenses não sionistas marcharam em Tel Aviv. Seguravam fotos de crianças palestinas assassinadas. Vi a imagem como quem vê um lampejo de lucidez no meio da insanidade. Podia ser escárnio, podia ser encenação, mas havia ali qualquer coisa que resistia. A tentativa de preservar um traço de humanidade. Um grito silencioso: “Não em nosso nome.” Quem vive o cotidiano da desgraça, se ainda protesta, está tentando não se perder de si. Está tentando lembrar que o laço com o outro ainda pode ser mais forte do que o ódio que nos oferecem como destino.

Lutar por memória e por paz é recusar o apagamento que transforma vítimas em números, cadáveres em propaganda, sofrimento em espetáculo

Não se trata de esquecer os crimes do sionismo, tampouco de perdoar os fascismos locais. Trata-se de lembrar que, mesmo diante deles, nossa tarefa não é reproduzir a lógica do algoz, mas afirmar outra lógica — a da dignidade, a do bem viver, da convicção de que um outro mundo é possível. A do laço que não se constrói com mísseis, mas com memória e humanidade.

Foi em nome dessa lógica que tantas famílias brasileiras lutaram — e ainda lutam — para que os crimes da ditadura civil-militar não sejam apagados. A Comissão Nacional da Verdade, ainda que tardia e limitada, nos ensinou que a violência de Estado não pode ser esquecida sem que se perca também a possibilidade de futuro. A lembrança das torturas, dos desaparecimentos, dos silêncios forçados não é desejo de revanche, mas condição de justiça. Quem comemora mortes de civis e torturas está do outro lado — e não do nosso.

Lutar por memória e por paz é recusar o apagamento que transforma vítimas em números, cadáveres em propaganda, sofrimento em espetáculo. É lembrar que o luto também é uma forma de resistência, e que fazer memória é uma forma de insistir no valor de cada sujeito, mesmo — e sobretudo — quando o mundo parece ter desistido dele.

E sugiro a vocês, leitores, que procurem também formas de não se desumanizarem. É tempo de dançar São João, de se apaixonar, de ir ao teatro, de ligar para velhos amigos, de reabrir livros que foram deixados para trás, de voltar ao terreno da infância com Manoel de Barros. Que esses gestos simples, cotidianos, possam nos lembrar que a vida ainda insiste — e que vale a pena defendê-la.

Júlia Louzada é psicanalista e pesquisadora vinculada ao Laboratório de Psicanálise, Sociedade e Política da USP.

Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente representa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Editado por: Ana Carolina Vasconcelos
loader
BdF Newsletter
Escolha as listas que deseja assinar*
BdF Editorial: Resumo semanal de notícias com viés editorial.
Ponto: Análises do Instituto Front, toda sexta.
WHIB: Notícias do Brasil em inglês, com visão popular.
Li e concordo com os termos de uso e política de privacidade.

Veja mais

ARTIGO

A tentação da barbárie

FIM DO FEMINICÍDIO

Movimentos feministas apresentam propostas à comissão externa da Câmara dos Deputados

crime ambiental

Ataques inéditos a operação do ICMBio na Resex Chico Mendes expõem nova era de violência no Acre

FERIADO

Corpus Christi: confira o que abre e o que fecha durante o feriado no DF

CRISE CLIMÁTICA

Fortes chuvas deixam mais da metade dos municípios do Amazonas em estado de emergência

  • Quem Somos
  • Publicidade
  • Contato
  • Newsletters
  • Política de Privacidade
  • Política
  • Internacional
  • Direitos
  • Bem viver
  • Socioambiental
  • Opinião
  • Bahia
  • Ceará
  • Distrito Federal
  • Minas Gerais
  • Paraíba
  • Paraná
  • Pernambuco
  • Rio de Janeiro
  • Rio Grande do Sul

Todos os conteúdos de produção exclusiva e de autoria editorial do Brasil de Fato podem ser reproduzidos, desde que não sejam alterados e que se deem os devidos créditos.

Nenhum resultado
Ver todos os resultados
  • Apoie
  • TV BDF
  • Regionais
    • Bahia
    • Ceará
    • Distrito Federal
    • Minas Gerais
    • Paraíba
    • Paraná
    • Pernambuco
    • Rio de Janeiro
    • Rio Grande do Sul
  • Rádio Brasil De Fato
    • Radioagência
    • Podcasts
    • Seja Parceiro
    • Programação
  • Política
    • Eleições
  • Internacional
  • Direitos
    • Direitos Humanos
    • Mobilizações
  • Bem viver
    • Agroecologia
    • Cultura
  • Opinião
  • DOC BDF
  • Brasil
  • Cidades
  • Economia
  • Editorial
  • Educação
  • Entrevista
  • Especial
  • Esportes
  • Geral
  • Meio Ambiente
  • Privatização
  • Saúde
  • Segurança Pública
  • Socioambiental
  • Transporte
  • Correspondentes
    • Sahel
    • EUA
    • Venezuela
  • English
    • Brazil
    • BRICS
    • Climate
    • Culture
    • Interviews
    • Opinion
    • Politics
    • Struggles

Todos os conteúdos de produção exclusiva e de autoria editorial do Brasil de Fato podem ser reproduzidos, desde que não sejam alterados e que se deem os devidos créditos.