A menos de 5 meses para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em Belém (PA) em novembro, o número de leitos, o preço e a falta de informações oficiais sobre hospedagem para os participantes do evento ainda são problemas. A oferta de leitos já dobrou entre janeiro e maio – de 18 mil para 36 mil – mas ainda não há lugares suficientes para as 50 mil pessoas esperadas na cidade durante o evento.
O preço da estadia também assusta. O valor de acomodação para 11 dias pode chegar a R$ 2 milhões, de acordo com um levantamento realizado pelo jornal O Estado de S.Paulo. Dessa forma, a hospedagem pode se tornar um problema concreto, especialmente para ambientalistas e ativistas que não dispõem de financiamento.
A falta soluções sobre acomodações acaba, assim, criando um efeito cascata. Conforme a COP30 se aproxima, a tendência é os preços de acomodações e passagens subam ainda mais, gerando incertezas nos interessados em participar. Esse é o caso da jornalista Maristela Crispin, moradora de Fortaleza (CE) e cofundadora da Agência Eco Nordeste. A agência faz parte de uma coalizão de veículos de cobertura socioambiental, a Diários do Clima, que busca, desde o ano passado, encontrar uma casa que possa servir de base para as equipes.
“A gente está tentando criar essa casa socioambiental. Estamos buscando patrocínios para que ela aconteça. O maior desafio é mesmo o aluguel”, informa Maristela. Segundo ela, a especulação imobiliária fez com que um contrato prestes a ser fechado – um mês de aluguel por R$ 80 mil – foi recusado de última hora pelo proprietário, que propôs um novo valor, de R$ 270 mil Maristela também está tentando por conta própria encontrar alternativas, mas alega que o cenário é nebuloso. “A última cotação que eu fiz de passagens de Belém para Fortaleza já estava em R$ 2 mil o trecho. Ainda não desisti, mas está complicado”, desabafa.
No dia 24 de fevereiro, a plataforma oficial da COP30 divulgou que haveria mais informações sobre hospedagem, mas até o momento, não houve nenhuma mudança. O próprio governo do Pará, que fez parcerias com a rede hoteleira, com aplicativos de hospedagens e contribuiu para o aumento de leitos, não disponibiliza informações que orientem o visitante.
Segundo Raquel Ferreira, influenciadora digital e fundadora da agência de turismo Monotour, esse vazio de informações institucionais é o principal problema, mas não o único. “Muita gente está vendo a COP como um evento turístico. E não é. É uma agenda socioambiental, e quem não tem o compromisso com essa pauta, seja profissional, militante ou para estudo, pode visitar a cidade em um outro momento”, argumenta. No entanto, para ela, apesar das falhas das políticas de turismo federal, estadual e municipais [das cidades da Grande Belém], Belém será capaz de receber o evento.
“A gente já está acostumado, anualmente, a receber visitantes para o Círio de Nazaré. E a gente está preparado, sim, para receber, dependendo do tipo de hospedagem que as pessoas pensam”, explica Raquel. Segundo ela, há soluções de hospedagem nas ilhas de Belém, nas cidades da Região Metropolitana, e recomenda que as pessoas procurem informações com as agências de turismo ou profissionais dessa área. “Nós podemos ter vias alternativas de circulação, sejam elas vias fluviais, fazer uma hospedagem na ilha de Mosqueiro e trazer essas pessoas de barco para Belém. Então existe possibilidade, sim, mas é claro que existe uma especulação muito grande em cima”, reconhece.
Ao mesmo tempo em que há muitas pessoas de olho em pagamentos em dólar e em euro, também há o lado hospitaleiro de Belém, ressalta Raquel. Ela reforça que há pessoas que estão mais interessadas em construir boas relações e fidelizar clientes, para que a COP confirme Belém como uma cidade turística. Para ela, contudo, esse legado não está sendo construído com a devida contribuição dos poderes públicos. “Embora existam ações de incentivo, cursos de capacitação e outras iniciativas, elas são insuficientes, e contribuem para que exista essa especulação”.

Qual legado a COP deixará para cidade, em questão de moradia?
Segundo a Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional na Região Metropolitana de Belém atualmente é de 84 mil domicílios. Além disso, há apenas 2,7% de cobertura sanitária e tratamento de esgoto na cidade, segundo o Instituto Trata Brasil, uma das piores taxas do Brasil. Dos R$ 4,7 bilhões que estão sendo investidos para a COP 30, boa parte desses recursos estão sendo empregados na faixa da cidade onde já há infraestrutura consolidada. Nas várias obras de macrodrenagem em curso na cidade, por exemplo, apenas os canais da Doca de Souza Franco e da Tamandaré, que ficam no centro, contarão com grandes investimentos em paisagismo. Além disso, Belém é a 6ª pior capital menos arborizada do Brasil, segundo o IBGE.
Enquanto isso, dos 10 mil novos leitos provisórios que estão sendo preparados para a COP30, nenhuma vai dar origem a habitação permanente. Os 10 mil leitos que serão oferecidos em navios transatlânticos partirão após o evento. Ao mesmo tempo, segundo o Índice Fipezap, Belém despontou em janeiro de 2025 como a segunda capital com aluguel mais caro do país, com R$ 57,29 por metro quadrado. Para quem mora na capital, há o risco de que o valor do aluguel sigam altos após a conferência.
De acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, a Região Metropolitana de Belém tem a maior concentração de favelas do Brasil. Se não houver uma política habitacional relevante para o cenário pós-COP, há o receio de que o número de favelas na cidade aumente.
Segundo os números do IBGE, 57,1% da população da RMB vive em áreas de favela, comunidades sem regularização fundiária, com abastecimento de água, coleta de lixo e saneamento precários. O cenário é fruto da ocupação das chamadas “baixadas”, ou áreas alagadiças, habitadas por pessoas negras ou refugiadas das florestas, em busca de condições econômicas melhores, em um cenário que exemplifica o que movimentos e cientistas sociais chamam de “racismo ambiental”.
Para Elielson Silva, doutor em Ciências e Desenvolvimento Socioambiental pelo Núcleo de Altos Estudos Amazõnicos (Naea) da Universidade Federal do Pará (UFPA), o conceito de racismo ambiental precisa ser mais bem compreendido pela população em geral e pelo poder público. “As populações que mais sofrem com a falta de planejamento urbano, com as consequências da expansão desordenada das cidades grandes, médias e pequenas, e com o avanço das monoculturas, dos grandes projetos são corpos de pessoas negras, ribeirinhas e indígenas, que são corpos racializados”.
A consequência da falta de visibilidade dessas vozes faz com que, seja na Amazônia ou em qualquer região do Brasil, essas pessoas sejam preteridas quando um grande projeto ou evento é organizado. Com isso, sofrem as piores consequências das adaptações necessárias, como ocorreu na Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro(RJ) e na Copa do Mundo de 2014, em diversas capitais.
Para Silva, populações periféricas sofrem com remoção, obras e medidas que, no fim das contas, estão sendo feitas para privilegiar os grandes centros. “E não são os mais atacados por conta de algo aleatório. Tem várias intencionalidades”, pontua, baseadas numa “cosmovisão eurocêntrica, que tende a enxergar o modo de vida dessas comunidades tradicionais como atrasadas, e o estilo de vida coletivo como algo inferior, fazendo com que seja natural para um poder central, que se baseia nessas concepções, priorizar a infraestrutura das e para as elites, relegando à população empobrecida o que resta”.