O fogo destruiu 30 milhões de hectares no Brasil em 2024, o equivalente à área somada dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os dados são do Relatório Anual do Fogo (RAF), lançado nesta terça-feira (24) pelo MapBiomas. O levantamento revela que o volume de área atingida pelas queimadas no ano passado ficou 62% acima da média histórica do país, puxado por megaincêndios florestais – queimadas com mais de 100 mil hectares – em diversos biomas.
A média anual de área queimada no Brasil desde 1985 é de 18,5 milhões de hectares. A maioria dessas queimadas, de acordo com o histórico resgatado pelo RAF, se deu em áreas consideradas pequenas: 27% incendiaram entre 10 e 250 hectares. Em 2024, grandes territórios foram queimados de forma contínua. Um terço das áreas atingidas pelo fogo resultou de eventos com mais de 100 mil hectares.
Áreas de vegetação nativa foram as mais afetadas, representando 73% do total. O tipo mais afetado foi a formação florestal, com 7,7 milhões de hectares destruídos – aumento de 287% em relação à média histórica. A maioria das queimadas se concentrou entre agosto e outubro, com setembro sozinho respondendo por um terço do total.
Mais do que números, o relatório aponta para uma tendência de agravamento da crise ambiental. Os dados consolidam uma série histórica que cobre 40 anos, e evidenciam padrões recorrentes, como a concentração das queimadas em poucos meses do ano, a expansão do fogo sobre áreas florestais e o crescimento de eventos extremos, que dificultam o combate.
“O fogo de 2024 não é um evento isolado, mas um sintoma do agravamento da crise climática e da falta de planejamento territorial. Essa primeira edição do relatório é uma ferramenta essencial para orientar políticas públicas, identificar zonas críticas e preparar respostas mais eficazes”, avalia Ane Alencar, diretora de Ciências do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora do MapBiomas Fogo.
Amazônia e Cerrado concentram 86% das áreas queimadas
A Amazônia foi o epicentro do fogo em 2024, com 15,6 milhões de hectares queimados, o maior registro da série histórica iniciada em 1985. Pela primeira vez, as áreas de floresta superaram as pastagens como principais alvos das chamas.
O Cerrado aparece logo em seguida, com 10,6 milhões de hectares queimados, o que representa 35% do total nacional. O bioma tem a maior média histórica de área queimada do país, com quase 10 milhões de hectares por ano, e segue sendo o mais afetado por queimadas recorrentes.
“Isso aconteceu principalmente por conta do período de estiagem que atingiu o bioma, deixando a vegetação mais suscetível e vulnerável aos incêndios. Mas também é importante lembrar que, para o fogo começar, é necessário um agente de ignição”, explica Vera Arruda, pesquisadora no Ipam e coordenadora técnica do Monitor do Fogo. “A Amazônia não é um bioma onde o fogo ocorre naturalmente”, salienta.
Pantanal concentra megaeventos e volta a subir em 2024
Depois de dois anos de queda, o Pantanal voltou a registrar aumento nas áreas atingidas. Em 2024, foram 2,2 milhões de hectares queimados, o terceiro maior índice em 40 anos. O bioma é o que apresenta a maior proporção de incêndios em áreas naturais, com destaque para as formações campestres e zonas alagadas.
Os eventos no Pantanal se destacam também pelo tamanho. Quase 20% da área queimada no bioma no ano passado resultou de cicatrizes (áreas queimadas de forma contínua) com mais de 100 mil hectares.
“A gente tem frentes de fogo no Pantanal que chegam a 25 quilômetros de extensão. Isso torna muito difícil, do ponto de vista da capacidade humana, conter o avanço das chamas. É justamente essa dificuldade que leva à formação de áreas tão grandes queimadas”, explica Eduardo Rosa, coordenador de mapeamento do bioma Pantanal no MapBiomas.
“O Pantanal vive hoje um novo ciclo de seca. Desde a última grande cheia, em 2018, o bioma tem se tornado mais suscetível ao fogo. Áreas que antes ficavam permanentemente alagadas agora secam com frequência, criando um ambiente altamente inflamável. Essa mudança torna os incêndios mais recorrentes e difíceis de controlar”, analisa Rosa.

Mata Atlântica bate recorde, puxada por interior de SP
O ano de 2024 também foi o pior da série histórica para a Mata Atlântica. O bioma registrou 1,2 milhão de hectares queimados – 261% acima da média. A maior parte das cicatrizes ocorreu em áreas antrópicas, especialmente pastagens e zonas agrícolas.
Quatro dos dez municípios com maior proporção de área queimada no Brasil em 2024 estão em São Paulo, todos no entorno de Ribeirão Preto, região de forte atividade agrícola.
“As áreas naturais na Mata Atlântica são especialmente vulneráveis ao fogo, que não faz parte da dinâmica ecológica desse bioma. Quando ocorrem, os incêndios acabam trazendo grandes impactos aos escassos remanescentes florestais dentro do bioma”, afirmou Natalia Crusco, da equipe da Mata Atlântica do MapBiomas. Ela destacou que, além dos prejuízos ambientais, os efeitos do fogo comprometem serviços ecossistêmicos como o clima, a água e o solo, com reflexos também na saúde e na qualidade de vida da população
Caatinga e Pampa têm queda, mas seguem sob alerta
Em contraste com os demais biomas, a Caatinga e o Pampa apresentaram redução nas áreas queimadas em 2024. No bioma semiárido, foram 404 mil hectares – 16% abaixo da média. O Pampa teve o menor volume entre todos os biomas: pouco mais de 7,9 mil hectares queimados, valor ainda inferior à média histórica.
Apesar da queda, os especialistas alertam para o risco da recorrência e da vulnerabilidade das áreas naturais. Na Caatinga, 38% da área queimada ao longo de 40 anos foi atingida mais de uma vez. No Pampa, a maioria dos focos ocorre em áreas de formação campestre e campos pantanosos, com potencial para danos severos em períodos de seca.