As divergências entre os depoimentos do general Braga Netto e do ex-ajudante de ordens Mauro Cid no Supremo Tribunal Federal (STF) revelam tensões dentro do núcleo central da tentativa de golpe de Estado articulada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados. Na avaliação do cientista político e professor Paulo Roberto de Souza, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, o caráter sigiloso da audiência “prejudica a opinião pública” e frustra a estratégia de setores bolsonaristas de atacar o STF e o ministro Alexandre de Moraes.
“As contradições nos embates entre Mauro Cid e Braga Netto eram óbvias e esperadas, principalmente com acusações tão sérias”, aponta o professor. Um dos pontos de atrito seria a acusação de que Braga Netto teria fornecido dinheiro em caixas de vinho para financiar o golpe. Segundo Souza, apesar de Braga Netto ter chamado Cid de mentiroso, “espera-se que provas mais concretas apareçam no decorrer do processo, inclusive para dar mais legitimidade às possíveis condenações”. Para ele, o depoimento “traz contradições e fragilidades que precisam melhor ser comprovadas e apresentadas à opinião pública”.
A possível anulação da delação de Mauro Cid, cogitada pelas defesas, pode até beneficiar figuras com papel mais marginal no caso, mas não deve blindar o chamado núcleo duro, diz o cientista político. “A tendência talvez fosse que penas fossem reduzidas”, afirma, explicando que há uma articulação política para rever leis e atenuar as punições. Para ele, há uma admissão velada por parte das defesas de que as condenações são prováveis, mas ainda assim insistem na tese de perseguição. “Isso serve de sustentação para disputas políticas futuras, principalmente a do próximo ano”, completa.
Narrativa de “perseguição”
Sobre a deputada Carla Zambelli (PL-SP), foragida na Itália após ter sido condenada por invadir sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o professor avalia que ela tenta construir uma narrativa de vítima de perseguição internacional para manter sua base mobilizada e lucrar politicamente. “Ela está em um país muito bem articulado com a extrema direita internacional”, lembra, citando o governo da premiê Giorgia Meloni. Segundo Souza, a permanência da fuga tem potencial de gerar lucro financeiro por meio de doações de apoiadores e garantir visibilidade para futuros projetos políticos da família.
Para ele, a atuação da mídia tradicional contribui para esse cenário ao abrir espaço sem contestação para a tese de perseguição. “Boa parte da mídia brasileira dá muito jornalismo declaratório”, critica. “O que vimos em 8 de janeiro foi uma tentativa clara de deslegitimar e impedir a posse do agora presidente da República, Lula”, destaca.
Para ouvir e assistir
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