A família de Yapê Rê Anambé Guajajara afirmou à Justiça que a jovem de 17 anos que veio a óbito após um parto induzido foi vítima de violência obstétrica no Hospital Materno Infantil de Marabá (HMI), no sudeste do Pará.
No mesmo dia em que sua filha faleceu, 22 de junho, Luciane Nascimento Anambe disse à Promotoria de Justiça de Marabá que o parto foi “brutal” e que “tiraram a criança à força”. A família foi até o órgão após registrar um boletim de ocorrência a fim de viabilizar a realização da autópsia completa para esclarecer a causa da morte, especialmente diante das alegações de violência obstétrica.
“Ela não teve coragem de olhar para a filha, que estava toda ensanguentada pelas pernas e o corpo todo. Ela também viu muitos panos cheios de sangue no chão, muito sangue”, diz um trecho da declaração.
“Luciane viu quando estavam tentando reanimar a filha. […]Viu o médico colocando as mãos dentro dela e puxando coisas de dentro dela, pois ela estava muito aberta e dava para ver tudo. O médico cortou a vagina dela para baixo, não fez o corte da cesariana. Luciane viu ele puxando e tirando coisas, com a mão sangrando de dentro dela. Depois, viu ele costurando. Ele demorou muito para terminar de costurá-la”, diz outro trecho.
A mãe da jovem também relatou que uma discussão entre dois médicos antecedeu o parto, sendo que um defendeu o parto normal, como ocorreu, e outro, cesariana, enquanto a jovem passava mal. Para Luciane, “se tivessem feito a cesariana, como o outro médico queria, nada disso teria acontecido”. Após ter uma parada cardíaca e convulsão, Yapê foi transferida em estado gravíssimo, ainda em 17 de junho, para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Regional de Marabá, onde morreu cinco dias depois.
De acordo com a Prefeitura de Marabá, Yapê deu entrada no Hospital Materno Infantil com hipertensão arterial leve, sem contrações uterinas e com a vitalidade fetal preservada, e que foi realizada a indução medicamentosa do trabalho de parto.
A deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG) oficiou o Ministério Público do Pará exigindo celeridade na apuração da morte. Para a parlamentar, trata-se de uma “sucessão de negligências, brutalidades e omissões institucionais, desde a recusa à cesárea indicada até a forma violenta como o corpo de Yape foi tratado após sua morte”.
A família também alega que o corpo da jovem permaneceu trancado em um carro funerário das 15h às 21h, sem que os familiares tivessem qualquer acesso, o que, segundo a deputada federal, configura uma violação de direitos humanos, culturais e espirituais do povo Guajajara. O Instituto Médico Legal (IML) de Marabá também teria se limitado a uma perícia externa, e tanto o IML quanto o Hospital Regional teriam se recusado a formalizar a negativa para a realização de uma necropsia completa.
“Não aceitaremos que mais uma vida indígena seja tratada com negligência e silêncio institucional. A dor dessa família não pode ser ignorada, e a responsabilização precisa ser exemplar. Violência obstétrica é uma forma cruel de racismo e precisamos enfrentá-la com urgência e coragem”, afirmou a parlamentar.
“Isso não é apenas falha médica. Isso é violência de Estado, é racismo institucional, é a continuidade do genocídio dos povos indígenas nos corredores hospitalares”, disse a deputada, autora do Projeto de Lei 1527/2025, que reconhece e combate a violência obstétrica contra mulheres indígenas, como forma específica e interseccional de violência institucional.
No ofício enviado ao Ministério Público, Célia Xakriabá pede:
- Imediata apuração dos fatos, com rigor técnico e respeito à verdade;
- Responsabilização dos profissionais e instituições envolvidas;
- Garantia de reparação e justiça à família da vítima;
- Adoção de medidas para prevenção da violência obstétrica, especialmente em contextos de atenção à saúde de mulheres indígenas.
O Brasil de Fato solicitou um posicionamento sobre o assunto às secretarias de Saúde de Marabá e do Pará. A reportagem será atualizada assim que houver um retorno.