Os bombardeios contra o Irã, realizados por Israel e Estados Unidos, não servirão como precedente para ataques em outros países que realizam enriquecimento de urânio, segundo a avaliação de analistas ouvidos pelo Brasil de Fato.
“Essa foi uma desculpa. O Irã não foi atacado pela questão do enriquecimento de urânio da produção nuclear ou, pelo menos, não só por isso”, avalia Arturo Hartmann, membro do Centro Internacional de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Federal de Sergipe (UFS). “Ele foi atacado também por interesses políticos. Essa foi uma guerra política, uma guerra de controle geopolítico regional”, diz.
Quando realizou as primeiras ofensivas, em 13 junho, Israel alegou estar combatendo a capacidade nuclear do Irã, que dizia ser ameaça global. Dias depois, os Estados Unidos entraram na guerra sob o mesmo pretexto, a partir de uma informação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) alegando que o regime iraniano teria material enriquecido em 60%. O material não foi encontrado.
“Tem aquela coisa dos dois, pesos duas medidas. Não é o problema da lei ou da regra do enriquecimento de urânio. É a questão política do Irã ser alvo específico por outras razões além da produção do urânio”, diz Hartmann.
Enriquecimento de urânio
O enriquecimento de urânio, que apareceu no centro das justificativas dos bombardeios, é realizado por 13 países, entre eles o Brasil. Trata-se de um processo químico-físico de potencialização das capacidades do elemento químico encontrado na natureza. As finalidades do processo são diversas, como uso na geração de energia elétrica e na medicina para tratamento de câncer.
Há, no entanto, uma longa distância entre o urânio enriquecido para fins pacíficos e o desenvolvimento de armas nucleares. No primeiro caso, o enriquecimento varia de 3% a 20%, a depender da finalidade.
“Esse grau de enriquecimento vai de 3%, que é aquele usado para as usinas, a 20%, que é normalmente o urânio usado para reatores de pesquisa”, explica Carlo Patti, professor de história internacional da Universidade de Pádua, na Itália e professor do programa de pós-graduação em na ciência política Universidade Federal de Goiás (UFG).
A criação de artefatos nucleares, como uma bomba atômica, exige tratamento que potencialize o urânio em, no mínimo, 85%. O alcance dos 60%, no entanto, seria um indício da potência das tecnologias iranianas. “Quando você tem material irradiado a 60% para alcançar o enriquecimento a 90% é muito rápido”, explica Patti.
O governo iraniano afirma que seu programa nuclear sempre foi pacífico. O país é signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Além do Brasil, os países que dominam a tecnologia de enriquecimento de urânio são França, Alemanha, Holanda, Reino Unido, Estados Unidos, China, Rússia, Japão, Argentina, Índia, Paquistão e Irã.
Saída do pacto
Na avaliação de Patti, o grande risco das ofensivas é a saída do TNP. Em vigor desde março de 1970, o pacto é assinado por 191 países comprometidos com a não disseminação de armas nucleares.
“Essa é a grande ameaça que se coloca no cenário internacional. Ameaça justificada pelo ataque que houve por parte dos Estados Unidos”, avalia o professor.
Para ele, a saída do Irã pode impulsionar outros países a tomarem a mesma decisão. “Isso é um precedente perigoso no momento de grande fragilidade sobre a possibilidade de sobrevivência desse mecanismo que, de qualquer forma, garante a não proliferação [de armamentos nucleares] por um número enorme de países”, diz.
Nesta quarta-feira (25), o parlamento iraniano aprovou um projeto de lei que suspende a cooperação do país com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) até que o Irã tenha garantias de segurança.
Em rede nacional, o presidente da assembleia, Mohammad Bagher Ghalibaf, afirmou que “qualquer cooperação com a agência ou envio de relatórios a ela, bem como a entrada de inspetores e gerentes da agência, serão proibidos até que a segurança das instalações nucleares e cientistas seja garantida”.
Atualmente, quatro países com armas nucleares ficaram de fora do TNP: Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte.