Um estudo do Instituto Escolhas, que reflete sobre o consumo sustentável, destaca alto potencial de produção de alimentos nas áreas urbana e periurbana de Belém. O levantamento observou que espaços ociosos, quintais e parcerias públicas e privadas no município podem dar lugar à produção de alimentos que abasteceria 1,7 milhão de pessoas por ano, o que supera em número a população da cidade, de 1,5 milhão de pessoas.
“A realização desse potencial depende de investimento em melhorias nos empreendimentos agrícolas que já existem e também na expansão da produção de alimentos para novas áreas, que podem ser lotes vazios, sem edificação e vegetação nativa, ou ainda áreas degradadas que existem na cidade e poderiam ser recuperadas com sistemas agroflorestais”, avalia Jaqueline Ferreira, presidente do Instituto Escolhas.
Combate à fome no Pará
Em 2023, segundo dados divulgados em abril de 2024 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Pará foi o estado que registrou a maior proporção de domicílios em situação de insegurança alimentar no país, com o alarmante índice de 20,3%, ou seja, um em cada cinco domicílios em situação moderada a grave, o que poderia ser revertido com o fortalecimento da produção de alimentos, seja nos territórios rurais ou nos espaços urbanos.
O estudo mapeou espaços urbanos com potencial de produção, e a partir do diagnóstico, Jaqueline Ferreira aponta que bairros onde se encontram pessoas em situação de vulnerabilidade social poderiam ter prioridade em ações de fomento à agricultura urbana e periurbana.
“Vamos dar um exemplo prático: mapeamos no bairro de Tenoné, localizado do distrito de Icoaraci, em Belém, 48 hectares de potenciais espaços para prática de agricultura urbana onde poderiam ser produzidos 2.683 toneladas de alimentos por ano, capazes de abastecer 230 mil pessoas”, explica.
Mais um dado que acende um alerta é o de que quase 80% dos alimentos da Central de Abastecimento do Pará (Ceasa), responsável pelo abastecimento de atacadistas e varejistas, são oriundos de outros estados, sobretudo das regiões Nordeste, Sudeste e Sul.
“Para além da promoção da segurança alimentar, tornar a cidade mais resiliente a choques externos de preços e ao desabastecimento é um motivo muito relevante. O nosso estudo mostrou que 80% dos alimentos comercializados no Ceasa Pará vêm de outros estados, isso significa 2.000km percorridos para abastecer Belém e região, quando esses alimentos poderiam ser produzidos localmente”, complementa Jaqueline.

Produção de alimentos em Belém
Na banca do feirante Paulo Alves, localizada na tradicional Feira da 25, no bairro Marco, o carro-chefe são as frutas da região, segundo ele garantidas com mais qualidade, menor preço e proporcionando menos desperdício.
“As nossas frutas regionais, a pupunha principalmente, o cupuaçu, vêm aqui dessas regiões mesmo, e também do interior do Pará como Santo Antônio do Tauá, Bujaru, Acará, Santa Isabel. A nossa região tem capacidade de produzir mais, principalmente esse tipo de frutos que não tem em outros estados, então nesse momento o que está faltando, pegando mais, é a falta de investimento nesses produtores”, explica Alves.

Irmãs da Horta
No Centro de Belém, o projeto Irmãs da Horta se desafia a produzir hortas urbanas em quintais e espaços ociosos, a exemplo das ruínas de uma fábrica abandonada, cedida por um shopping em área nobre da cidade.
O projeto surgiu durante a pandemia a partir da necessidade, e hoje é um coletivo de agricultura urbana e periurbana que, por meio da culinária sustentável, empodera mulheres e promove a cultura alimentar agroecológica com palestras, oficinas e iniciativas de produção nos bairros.
A agricultora Zira Silva conta que teve a ideia no momento mais crítico da sua vida, para combater a fome da família e hoje desenvolve o trabalho ao lado do filho e amigos.
“Eu saí do patamar da miséria extrema e hoje consigo levar isso para outras pessoas. Quando eu comecei, foi para sair da fome. No início plantei, criei galinha saudável. Depois de sete, oito meses começamos a consumir galinha totalmente saudável, [alimentada apenas] com milho. Tudo que eu me alimentei veio quintal e foi através disso que eu vi que dava certo”, desabafa Zira.
Apesar da falta de apoio, o trabalho que começou do zero no local da fábrica abandonada já apresenta o seu potencial com uma variedade de frutos brotando entre ruínas, sem o uso de agrotóxicos.
“A gente veio, limpou o espaço e olha… todos esses são pés de pitaias que vão para um canteiro. A gente tem também cana, banana-nanica, tem acerola, tem maracujá. E tudo aqui é natural. O controle de pragas não contém nada de agrotóxico, nada químico, entendeu?”, comemora Zira.
As hortas hoje são feitas onde antes eram caldeiras para a fabricação de sabonetes, mas ainda há muitos outros espaços abandonados no local. Em cada um deles, Zira idealiza a implantação de grandes hortas com estufas para abastecer quem precisa.
“Nesse espaço aqui, se desse para fazer, eu faria uma grande estufa para produzir muito alface, rúcula, cheiro-verde, chicória… eu já consigo imaginar uma estufa enorme em todo esse lugar. Se a gente tivesse apoio, tivesse recursos, a gente faria algo muito maior e muito melhor”, avalia a agricultora.
Ao lado de parceiros, além de produzir alimentos orgânicos e saudáveis, o coletivo Irmãs da Horta tem atuado no fortalecimento do desenvolvimento comunitário e como próximo passo, pretende ocupar praças públicas com hortas com o apoio das comunidades.
“A gente acredita nisso e a gente está provando. A gente está aqui em um lugar que estava em ruínas no Centro de Belém, provando que sim, é possível ter uma horta urbana orgânica. E estamos na luta, não vamos desistir e queremos que apoiem a gente para continuar evoluindo”.
A reportagem sobre agricultura urbana no Pará foi destaque no programa Bem Viver. Assista abaixo.