Com os recentes debates sobre a adesão de Minas Gerais ao Programa de Pleno Pagamento da Dívida dos Estados (Propag), se reacendeu a discussão sobre o futuro das estatais mineiras, entre elas a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).
“Se privatizar, teremos diversos municípios sem condição de fazer o saneamento básico”, alerta Wagner Xavier, assessor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua MG), em entrevista ao Visões Populares, podcast do Brasil de Fato MG.
Xavier também fala sobre a importância da Copasa, a possibilidade de privatização e as possíveis consequências disso, além dos próximos passos na luta em defesa da empresa.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato – A Copasa é uma das estatais mais importantes de Minas Gerais. Qual é a história dessa empresa pública?
Wagner Xavier – A Copasa tem uma participação muito grande no estado de Minas Gerais. Com o golpe de 1964, uma das promessas era acabar com a estabilidade no emprego, além da questão da reforma agrária e do salário mínimo.
A ditadura militar acabou com a estabilidade e, em troca, criou o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS). O patrão colocava 8% do salário no fundo do Banco Nacional de Habitação (BNH), que tinha como centralidade fazer habitação e saneamento.
Naquela época, surgiu uma quantidade de dinheiro enorme e criou-se o Plano Nacional de Saneamento (PNS) que, com o FGTS retido no BNH, apresentou uma forma de fazer as obras de saneamento no país inteiro. Para ter acesso a esse dinheiro, os municípios tinham que entregar o seu saneamento para as empresas estaduais e isso aconteceu em todos os estados.
Também aconteceu em Belo Horizonte também, que já tinha a Copasa. A empresa foi transferida para o estado e entraram diversas outras cidades, principalmente as cidades pequenas, porque tinham dificuldade e, com a adesão, teriam acesso ao dinheiro do fundo de garantia.
A Copasa cresceu bastante. E, a partir disso, teve a capacidade de resolver o problema de Belo Horizonte, criando uma estação de tratamento que abastece a capital mineira com 8 metros cúbicos por segundo. Também criou as outras represas e fez um sistema interligado que resolveu o problema de diversas cidades.
Qual é o tamanho da Copasa hoje? Que serviços ela presta e quantas pessoas atende?
A Copasa atende atualmente 11,9 milhões de pessoas em Minas Gerais. Levando em consideração que o estado tem 21 milhões de habitantes, atendemos cerca de 55% da população. Dos 853 municípios, a Copasa atende 630, ou seja, 70, 8%. Com esse dado, entendemos, com clareza, que a Copasa atende os municípios menores do estado.
Também tem Belo Horizonte, Contagem, Betim, e cidades importantes da região metropolitana. Mas a maioria dos municípios grandes de Minas Gerais não estão na Copasa, como Juiz de Fora, Uberaba, Uberlândia e Governador Valadares. Já os municípios menores, que têm menos capacidade de bancar o saneamento, ficaram com a Copasa.
Para se ter ideia, dos 100 municípios que têm o IDH mais baixo no estado, 90 estão com a Copasa. Se a gente passa para a iniciativa privada, há um grande risco de acontecer em Minas Gerais o que aconteceu no Tocantins. Quando privatizaram, a empresa de saneamento pública acabou e a privada ficou cinco anos tocando o saneamento.
Passado esse tempo, entregaram todos os municípios com saneamentos deficitários para o estado e ficaram com os lucrativos. Com isso, o Estado teve que criar uma agência de saneamento e colocar dinheiro no saneamento do Tocantins e a empresa privada ficou com os municípios que davam lucro.
Se isso acontece aqui em Minas Gerais, é um problema, porque, como vamos pagar pelo saneamento dos 200 municípios menores em IDH, se o estado já não tem dinheiro para fazer investimento na educação e na saúde?
A Copasa é essencial para manter o caráter republicano de Minas Gerais. Sem a empresa, a população desses pequenos municípios tende a procurar os municípios maiores. É isso o que acontece quando tem uma crise de água. Assim, pessoas que vivem em cidades pequenas, com uma piora provável na qualidade da água e uma elevação da tarifa, vão para as grandes cidades, o que geraria um inchaço em Governador Valadares, Montes Claros, Salinas e Varginha, por exemplo.
A distribuição de água e saneamento básico, assim como a energia elétrica, são monopólios naturais. Qual é a importância de que esses serviços sejam realizados por empresas públicas? O que Zema está tentando fazer para privatizar essas empresas?
Quando Romeu Zema (Novo) começou, há 6 anos, o governo de Minas Gerais, ele acreditava que o correto era a pessoa fazer a opção de qual empresa quer, se quer ter acesso à água da Copasa ou à água de uma empresa privada. Como se pudéssemos ter dois, três ou quatro encanamentos em cada rua. Como é feito, por exemplo, com o botijão de gás. Só que com a água não dá para fazer isso.
Nós fomos em diversas audiências e sempre apontamos que existe o monopólio natural, ou seja, só tem um encanamento de água e esse encanamento de água é de uma empresa só.
Na Constituição Mineira foi incorporada, na época do Itamar Franco, uma regra que impõe que, para privatizar qualquer empresa pública essencial do estado, como a Copasa, a Cemig e a Gasmig, é necessário ter um referendo popular e um quórum especial.
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Zema não consegue entender o jogo democrático e trata mal os deputados, por isso não consegue ter a maioria especial. Portanto, ele tem medo de perder essa votação. Quanto ao referendo, mesmo boicotando a Copasa, ele não conseguiu fazer com que houvesse clamor popular pela privatização. Por isso, está querendo passar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 24/23, que chamamos de “PEC do cala a boca”, já que o objetivo é não ouvir o povo.
Na semana passada, ele conseguiu na Comissão Constituição e Justiça, aprovar o relatório com um parecer favorável. Nos próximos dias essa PEC vai para votação pela comissão. Então, existe um risco muito grande dessa PEC 024 passar e, com isso, um processo de privatização da Copasa.
Sabendo disso, realizamos uma belíssima manifestação, mostrando para a população qual é o nosso pensamento: queremos que a Copasa continue pública para que os 100 menores municípios em IDH não sejam atingidos, já que é esse povo que mais precisa do saneamento de qualidade.
Quais são os riscos da privatização para a população?
O que existe hoje no Brasil é que a maior empresa de saneamento do país já não é mais a Sabesp (São Paulo), a Copasa (Minas Gerais) e nem a Sedai (Rio de Janeiro). É a Aegea, que não é uma empresa de saneamento, mas de fundos de investimento do Itaú, que tem fundos de dinheiro estrangeiro na sua composição.
O governo federal deveria fiscalizar, porque o que está acontecendo é a formação de um monopólio, neste caso, um monopólio não natural. É um monopólio financeiro, de uma empresa que tem como prioridade os fundos de pensão, o dinheiro. Caso o governo Zema consiga privatizar a Copasa e a Aegea ganhe a concorrência, ela vai ser uma das maiores empresas de saneamento do mundo.
Denunciamos também a certeza de que, com a privatização, vão acontecer duas coisas. A primeira é a piora na qualidade do serviço, já que vão ser demitidos todos os trabalhadores e contratada uma equipe nova. Essa equipe nova, a partir dos exemplos do Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, demora de dois a três anos para adquirir toda a expertise que o serviço demanda.
Tem também a questão do rodízio nas empresas privadas. Em empresas públicas, devido aos concursos, os trabalhadores ficam atuando por cerca de 30 anos. Quando ocorre a privatização, a média de permanência cai para um ou dois anos, o que gera descontinuidade da qualidade do serviço.
O segundo fato é que, com a privatização, a conta vai aumentar, já que, para conseguir a autorização de operar o serviço, a empresa privada tem que fazer um grande lance, cerca de R$ 7 bilhões, para 30 anos explorando. Então, ela vai ter que manter o serviço, fazer novos investimentos e, colocando na conta do consumidor, retomar um valor para ressarcir aquele que investiu. Vão fazer isso demitindo os trabalhadores e aumentando o seu lucro.
Por exemplo, em Governador Valadares, não tinha Copasa, existia uma empresa municipal. A empresa municipal foi privatizada, entrou a Aegea para fazer o saneamento, que demitiu mais ou menos 400 trabalhadores. A população tem denunciado que a qualidade tem piorado, que lugares que nunca tiveram falta de água estão faltando e o preço da conta de água de Valadares aumentou.
Isso também aconteceu no Rio, São Paulo, Rio Grande do Sul e no mundo inteiro. Então, a tendência tem sido de os municípios retomarem esse serviço. Não são só as cidades pequenas. Estamos falando em Paris, Buenos Aires, e Atlanta, nos Estados Unidos. Diversos países que privatizaram, na onda privatista do consenso de Washington, hoje estão vendo que foi um erro.
Ao defender a privatização, um argumento levantado seria de que as estatais dão prejuízo. Isso se aplica a Copasa?
A Copasa teve um lucro, no ano passado, de R$ 1,3 bilhão. Neste semestre, em agosto, ela vai distribuir mais R$ 180 milhões de dividendos e já distribuiu R$ 166 milhões este ano. Ou seja, só neste ano, a Copasa vai distribuir R$ 346 milhões, sendo que o governo Zema vai ficar com R$ 173 milhões.
O Zema, que fala que a Copasa é incompetente, tem que ser privatizada e ataca os trabalhadores, nunca colocou um centavo na empresa e já retirou mais de R$ 2,5 bilhões dela. Quando ele assumiu, a Copasa tinha mais de 12 mil trabalhadores, agora está com 9,5 mil.
O que acontece numa empresa que perde 2,5 mil trabalhadores? Ela piora a qualidade do serviço. Com isso, Zema aposta que tenha reclamações recorde e a percepção que essa empresa não funciona, levando a população à ideia de que temos que privatizar mesmo.
Além disso, ele fechou as agências, terceirizou servidores e privatizou o serviço dos leitores.
Minas Gerais tem caminhado para aderir ao Propag, uma alternativa ao Regime de Recuperação Fiscal, defendido anteriormente por Romeu Zema. Por que o Propag é melhor que o RRF na avaliação dos sindicatos? E qual é o risco presente ainda que com a adesão ao Propag?
O Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que foi aprovado e ainda está funcionando, congela o salário por nove anos, e privatiza Copasa, Cemig e outras empresas estaduais. O governo federal, por meio do senador Rodrigo Pacheco, apresentou outra proposta. O Propag é uma alternativa. O valor da dívida agora é de R$ 170 bilhões.
O Propag permite, pagando 20% de entrada, com a possibilidade de repassar algumas empresas e bens para a União, a taxa de juros baixa e não precisa necessariamente atacar o Estado de Minas Gerais. Há ainda a possibilidade de redução dos juros a serem pagos caso seja investida metade da taxa em educação e saúde. Ou seja, o Propag é uma proposta inteligente.
Como nós nos negamos a fazer uma auditoria da dívida, um estudo que identificasse se ela realmente é válida, o Propag é interessante. O governo Zema, na época do Jair Bolsonaro (PL), fez um acordo sobre a Lei Kandir. Originalmente, o estado receberia da União por volta de R$ 180 bilhões, o que possibilitaria praticamente zerar a dívida de Minas. Mas Zema fez um acordo para receber, em 18 anos, apenas um valor que representa menos de 10% dessa dívida. Então, Minas ficou muito em desvantagem.
O RRF não discute isso, o Propag também não, é uma questão que ninguém discute. Ninguém denuncia que o Zema é um o governador que prejudicou Minas Gerais, de uma incompetência enorme.
Porém, hoje, nós temos que entender que temos um adversário muito mais qualificado que o Zema, o vice-governador Matheus Simões (Novo). Zema tem uma incapacidade grande, mas o Simões é contra os trabalhadores, tem concepção de direita e sabe o que que está fazendo. O Zema não sabe.
Como está a correlação de forças na Assembleia Legislativa de Minas Gerais para aprovação das propostas de Zema?
No Propag não tem a questão da privatização. O que tem lá é que o governo tem que apresentar ativos para pagar os 20%. Neste cenário, nós temos, por exemplo, a questão de Araxá, que tem uma empresa pública de extração de Nióbio (Codemig) e a reserva de terras raras.
Somente o valor dela, segundo o ex-presidente da companhia, é muito maior que esses 20%. O governo federal teria toda a condição de manter a exploração e não haveria problema nenhum.
Mas o vice-governador, que está hoje dirigindo o Minas Gerais, segue falando que vai privatizar a Copasa, já que o governo federal “não quer essas empresas”. Se esse valor de Araxá, que passa dos 20% for considerado, o governo de Minas terá que admitir que quer privatizar a Copasa por uma questão ideológica, não por uma necessidade.
O governo federal está com a avaliação de que, se entregar a mina de Araxá, supera esse valor. Além disso, se o governo Zema mantiver a Copasa como uma empresa pública estadual, ela vai fazer, nos próximos quatro anos, um investimento de R$ 17 bilhões. Metade desse investimento é a parte do governo estadual na amortização da dívida, o que resolveria a contrapartida que Minas Gerais tem que fazer em setores estratégicos, para o abatimento da dívida. Para se ter ideia, a Copasa, no ano passado, fez um investimento de R$ 2,2 bilhões.
O andamento na ALMG está na mão do presidente da Casa. Nós temos contado, até então, que ele não tem pautado isso, mas esse processo começou a andar na semana passada. Vale ponderar se é necessário colocar isso em votação com pressa ou ter calma nesse momento para ver qual é a melhor alternativa.
O povo de Minas Gerais é muito importante e merece todo o nosso carinho. E, merecendo esse carinho, temos que ter calma e saber qual é a consequência. Isso não é papo de sindicalismo preocupado só com o emprego dos seus trabalhadores. Nós somos de fato sindicalistas e defendemos os interesses dos trabalhadores. Mas estamos falando pela população de Minas Gerais.
Se privatizar, a qualidade vai piorar e o aumento da tarifa vai vir. Nós estamos mostrando isso com dados. Todo mineiro tem um parente paulista. Pergunte o que que aconteceu com a qualidade e o valor em São Paulo depois da privatização.
É pelo fruto que se conhece a árvore e, assim, vamos conhecer qual é a árvore que representa o Zema. É uma árvore da privatização, contra o povo. É uma árvore de quem está mais preocupado com os seus amigos, que só dá maus frutos para a população. É um projeto neoliberal.
Qual seria a melhor opção para a Copasa e para o povo mineiro daqui para frente?
Nós, do sindicato, achamos que a melhor coisa para Minas Gerais é a Copasa e a Cemig se manterem empresas estaduais públicas. Mas, entre se transformar numa empresa privada voltada para o lucro, tirar o couro dos trabalhadores e aumentar a conta da população, a proposta do Propag é muito mais vantajosa.
Cada cidadão tem uma relação com o seu deputado e é fundamental conversar com esse deputado, deixando claro que não queremos que a Copasa seja privatizada. Além disso, a ALMG abre consultas públicas e é importante se posicionar.
Também precisamos, em todas as conversas no boteco, na igreja, no trabalho, em que alguém falar que tem que privatizar, ter uma postura de argumentar e explicar. Ter consciência e reproduzir as informações.
É assim que podemos ser ajudados e ajudar o povo de Minas Gerais. Não é um discurso de chantagem, é um discurso sobre a experiência concreta de outros estados do Brasil.