Começa nesta sexta-feira (4), no Rio de Janeiro (RJ), a primeira reunião presencial do Conselho Popular do Brics, espaço que reúne representantes da sociedade civil dos países membros do bloco. O encontro marca uma nova etapa na construção da participação popular dentro do grupo e antecede a Cúpula de Chefes de Estado, que será realizada no domingo (6) e na segunda-feira (7), também no Rio.
Realizada no Teatro Carlos Gomes, no centro da capital fluminense, a sessão especial conta com a presença de representantes da Rússia, África do Sul, Etiópia, Indonésia e Emirados Árabes Unidos. O encontro será encerrado no sábado (5), com a apresentação pública de um documento que sintetiza propostas formuladas em sete grupos de trabalho: Saúde; Educação; Ecologia; Cultura e Arte; Finanças; Economia Digital, Soberania Digital e Inteligência Artificial; e Brics e sua Institucionalidade.
O Brasil é representado oficialmente por três integrantes do Conselho: Fabiano Mielniczuk, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Rita Coitinho, secretária-geral do Conselho Popular e militante do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz); e Marco Fernandes, pesquisador do Instituto Tricontinental e integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Para Rita Coitinho, o encontro representa o ápice de um processo iniciado em março, que mobilizou mais de 120 participantes de 57 organizações brasileiras e 63 organizações internacionais. O texto será entregue oficialmente aos governos no domingo, durante a Cúpula.
“O encontro do Rio coroa esse processo de construção coletiva e vai permitir o lançamento público de um documento denso, com muitas recomendações. Já conseguimos entregar uma versão preliminar ao Itamaraty no dia 20 de junho. Agora, com a presença de representantes populares, estamos dando visibilidade ao Conselho como um espaço de formulação estratégica”, explicou ao Brasil de Fato.
A reunião está dividida em três momentos principais. O primeiro é voltado à análise da conjuntura e da geopolítica mundial, com destaque para o papel do imperialismo estadunidense e os atuais cenários de guerra e genocídio. O segundo será dedicado à apresentação das propostas de cada grupo de trabalho. Por fim, uma sessão remota reunirá representantes dos demais países para debater a projeção do Conselho nos próximos anos.
Conselho busca consolidar espaço de participação popular
O Conselho Popular do Brics foi criado após a realização do Fórum Civil de 2024, realizado na Rússia, e reconhecido pelos líderes do bloco na Declaração de Kazan. A iniciativa deu origem à formação de conselhos em todos os países membros, com o objetivo de institucionalizar a participação da sociedade civil nas pautas estratégicas do grupo.
No Brasil, a construção do Conselho Popular envolveu reuniões virtuais com movimentos populares do campo e da cidade, sindicatos, ONGs, pesquisadores e coletivos acadêmicos.
“A gente organizou reuniões online entre março e junho. Cada grupo elegeu seus coordenadores e relatores, que sistematizaram os documentos com as recomendações. Depois, traduzimos tudo para o inglês e passamos a uma etapa internacional, com participação de conselhos civis de outros países. O princípio foi o consenso: se não havia acordo, a recomendação era suprimida”, explicou Rita.
O material consolidado será apresentado no sábado (5), em coletiva de imprensa. Além da versão impressa, será disponibilizado um caderno digital com todas as propostas.
Documento final será entregue aos chefes de Estado
A entrega oficial do documento ocorrerá no domingo (6), durante a Cúpula de Chefes de Estado do Brics. O Conselho Popular participará, pela primeira vez, de uma sessão especial dedicada à escuta da sociedade civil, ao lado do Conselho Empresarial e da Aliança de Mulheres Empreendedoras do bloco.
Segundo Marco Fernandes, pesquisador do Instituto Tricontinental e membro do Conselho, o momento é inédito: “Vamos ter, no dia 6, uma sessão com os três conselhos: de negócios, das mulheres empreendedoras e o nosso, o Conselho Popular. Vamos estar lá com João Pedro Stedile [liderança do MST]. Infelizmente, não com Xi Jinping, mas com os chefes de Estado ou seus representantes”, disse o pesquisador durante o último episódio do podcast O Estrangeiro, do Brasil de Fato.
Fernandes destaca que, além das propostas temáticas, o Conselho leva duas reivindicações estruturais à cúpula: o reconhecimento oficial e a garantia de recursos. “Queremos garantir um espaço oficial e permanente de escuta do Conselho Popular pelos governos. E também financiamento. Estamos fazendo esse encontro na raça, catando moeda entre os parceiros. Não é possível que o Conselho dos Brics não tenha recursos para garantir ao menos uma reunião por ano em cada país”, pontuou.
Ele também chamou atenção para os riscos de descontinuidade do espaço de participação popular: “Esse espaço de escuta só está acontecendo porque o Brasil bancou. Nada garante que, no ano que vem, com a cúpula na Índia, esse espaço vá continuar existindo”.
Para além do Rio: agenda segue até o fim do ano
Apesar de o documento ser entregue neste fim de semana, a agenda do Conselho Popular dos Brics no Brasil continua ao longo de 2025. Entre as próximas atividades previstas estão um curso de formação na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), encontros culturais e artísticos e novos eventos temáticos em outubro.
“A entrega do documento é apenas um ponto de chegada dessa etapa de formulação. O debate sobre o Brics continua. Nosso objetivo é criar no Brasil uma tradição de cúpulas populares que antecedam os encontros dos chefes de Estado”, concluiu Rita Coitinho.