O Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), principal estrutura institucional criada pelo Brics, completa dez anos neste mês com a ambição de se firmar como alternativa concreta ao sistema financeiro internacional herdado do pós-guerra. Sob a liderança da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), a instituição tenta se consolidar como uma plataforma do Sul Global por autonomia, inclusão e cooperação entre países.
“O Banco do Brics é talvez a principal entrega do Brics econômico-financeiro desde o início”, afirmou Antônio Freitas, subsecretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele lembrou que o NDB foi aprovado na cúpula de Fortaleza, em 2014, “sob a liderança da presidenta Dilma Rousseff”, hoje à frente da instituição.
Durante a abertura da 10ª reunião anual do NDB, realizada nesta sexta-feira (4) no Rio de Janeiro, Dilma foi categórica: “Nós estamos apenas começando. Em nossa primeira década, o NDB lançou as bases. Na próxima década, devemos consolidar nosso papel de liderança para o desenvolvimento equitativo, sustentável e autônomo em um mundo multipolar”.
A presidenta defendeu que o banco atue com ousadia e relevância política. “Nossa força reside não apenas no tamanho do nosso balanço patrimonial, mas acima de tudo, na legitimidade de nossa missão e na união dos nossos países-membros”, disse.
Neste sábado (5), Dilma participará de uma entrevista coletiva durante a reunião e pode anunciar novos projetos do banco.
Um banco criado para romper com o sistema de Bretton Woods
Inspirado pela insatisfação histórica dos países periféricos com a governança das instituições de Bretton Woods, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, o NDB foi lançado com a proposta de financiar o desenvolvimento de forma mais justa.
“Na medida em que não conseguiram avançar na reforma das instituições financeiras multilaterais, os países do Brics criaram o seu próprio mecanismo”, afirmou Marta Fernández, coordenadora do Brics Policy Center, ao Brasil de Fato. Ela destacou que, ao contrário dos bancos tradicionais, o NDB foi criado com cotas iguais entre os membros fundadores e uma estrutura mais horizontal.
Segundo ela, o banco foi resultado também da atuação da sociedade civil. “A Rebrip participou bastante desse processo. O objetivo era justamente propor modelos de financiamento alternativos”, pontuou, citando a Rede Brasileira Pela Integração dos Povos.
O economista Paulo Nogueira Batista Jr., que participou da fundação do banco e foi seu primeiro diretor brasileiro, acredita que a instituição “tem um potencial muito grande”, mas ainda caminha aquém do que poderia. “O banco era para ser uma alternativa ao Banco Mundial. Mas como é que pode ser um banco global com apenas dez países-membros? Está indo muito devagar o processo de expansão”, avaliou.
Financiamento para o Sul Global: impactos e limitações
Desde sua fundação, o NDB aprovou 120 projetos, totalizando US$ 39 bilhões em financiamentos. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com esses recursos foram modernizados mais de 40 mil quilômetros de rodovias, erguidas 35 mil moradias, implementados 293 quilômetros de sistemas ferroviários urbanos e ampliada a oferta de água potável em 250 mil metros cúbicos por dia.
Durante o painel “Desafios para o financiamento do desenvolvimento sustentável para o Sul Global”, Haddad afirmou que o banco oferece soluções de acordo com as prioridades nacionais e com respeito às particularidades de cada país. “Esse modelo não apenas é financeiramente viável como também se traduz em impactos concretos e sustentáveis”, disse. “Se traduz em escolas mais acessíveis, comunidades mais conectadas, cidadãos vivendo com mais dignidade.”
Apesar dos avanços, há críticas sobre efeitos de projetos sobre comunidades locais. Marta Fernández lembra que obras de infraestrutura verde, como parques eólicos, têm gerado conflitos territoriais. “Projetos que precisam de muita terra têm gerado expropriações em comunidades quilombolas”, afirmou. Segundo ela, o Brics Policy Center trabalha com uma plataforma de monitoramento chamada Prime Hub, em parceria com a agência de avaliação do banco, sediada em Xangai, para medir os impactos sociais dessas iniciativas.
O papel de Dilma e os desafios para a próxima década
O mandato de Dilma Rousseff à frente do NDB, que começou em março de 2023 e terminaria em julho deste ano, foi estendido por mais cinco anos, por decisão unanime entre os países-membro.
Sua gestão é vista com entusiasmo por representantes do governo brasileiro. “Sob seu comando, o banco conquistou uma nova dimensão geopolítica e internacional”, avaliou Haddad. Já Antonio Freitas afirmou que o Brasil está “bastante satisfeito” com o papel do banco sob liderança brasileira. “A presidenta Dilma deverá anunciar desenvolvimentos importantes na cúpula”, adiantou.
Marco Fernandes, membro do Conselho Popular do Brics, afirmou que Dilma resgatou o protagonismo político da instituição. “No seu primeiro ano, ela arrecadou cerca de 8 bilhões de dólares nos mercados de capitais – o dobro da média dos anos anteriores. Ela trouxe o banco de volta para o debate público, ou talvez ele nunca tenha estado tanto em evidência quanto agora”, avaliou durante o último episódio do podcast O Estrangeiro.
Mesmo assim, Fernandes alerta para limites estruturais. “Sem dinheiro, sem cascalho, não tem como virar esse grande banco do Sul Global”, disse. Para ele, a única forma atual de captar recursos – via mercado financeiro – é insuficiente para um banco que ambiciona disputar com o Banco Mundial. “Não é possível que esses cinco países juntos – China, Índia, Rússia, Brasil e Indonésia – mais os Emirados Árabes, não possam fazer uma vaquinha todo ano e colocar 50 bilhões de dólares.”
Segundo ele, se bem financiado, o NDB poderia transformar a arquitetura de crédito internacional. “O NDB teria capacidade de disputar com o Banco Mundial e abrir uma gama de possibilidades para o Sul Global – com financiamentos sem as condicionalidades do FMI, como austeridade, privatizações e cortes em saúde e educação.”
O processo atual de desdolarização, um tema recorrente no discurso político dos Brics, também foi relativizado pelo ex-diretor do banco. “O Brics fala muito em desdolarização, mas o nosso banco ainda é preponderantemente dolarizado, tanto no lado ativo quanto no lado passivo. Isso precisa mudar”, disse Paulo Nogueira Batista Jr.
Marta Fernández complementa que a busca por transações em moedas locais também tem um componente de proteção. “O congelamento das reservas russas mostrou que países do Sul Global estão vulneráveis. De um dia para o outro, suas reservas podem desaparecer. O uso de moedas locais não é só uma alternativa econômica, mas uma forma de enfrentar essa hegemonia do dólar e se proteger contra sanções e tarifas como armas de guerra.”
Diante desse cenário, Dilma reforçou que o NDB deve se posicionar como “espaço de diálogo, cooperação e objetivos comuns”. Para ela, a próxima década deve ser marcada por ambição e transformação. “Que essa seja a década de ouro da instituição. Juntos, com visão, coragem e determinação, continuaremos a construir um futuro melhor para os nossos países, nossos povos e as gerações futuras.”