A concessão dos serviços de visitação e conservação do Parque Nacional e na Floresta Nacional de Brasília (Flona) foi tema de uma audiência pública realizada na tarde desta segunda-feira (7) na Câmara dos Deputados. O debate ocorreu a partir de requerimento de autoria da deputada federal Erika Kokay (PT-DF), que deliberou como encaminhamento um pedido oficial da Casa aos órgãos competentes para a suspensão imediata do projeto, até que se discuta, com participação popular, os caminhos de conservação e democratização dos parques nacionais.
A proposta do governo federal, por meio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), prevê transferir à iniciativa privada, por 30 anos, a gestão das atividades de visitação, manutenção de estruturas e exploração comercial, sob o argumento de modernizar e ampliar a oferta de serviços aos visitantes.
A audiência teve uma expressiva participação popular com a presença de movimentos sociais, pesquisadores e parlamentares. Entre eles, os distritais Gabriel Magno (PT-DF) e Max Maciel (Psol-DF), além de representantes do ICMBio, da Casa Civil da Presidência da República e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A diretora de Criação e Manejo de Unidades de Conservação do ICMBio Iara Vasco defendeu a proposta como uma alternativa necessária para enfrentar a falta de estrutura, de pessoal e garantir a sustentabilidade das unidades de conservação no longo prazo.
Além disso, enfatizou a diferença entre privatização e concessão, afirmando que “não haverá venda de nenhum bem, nem de parte, nem da integralidade do ativo do parque ou da Floresta Nacional de Brasília”. A diretora do ICMBio ressaltou que o órgão não dispõe de equipe suficiente nem de condições objetivas para realizar todas as ações necessárias para apoiar a visitação de forma segura e organizada. São cerca de 300 mil visitantes por ano no Parque Nacional e 67 mil na Flona.
Vasco apresentou estudos técnicos que apontam problemas estruturais, como a concentração excessiva de visitantes nas piscinas do Parque Nacional, filas longas, ausência de serviços básicos e falta de segurança adequada. Ela também rebateu críticas sobre a falta de diálogo, afirmando que o processo vem sendo construído desde 2017, com consulta pública e modificações realizadas a partir das contribuições recebidas.
Movimentos sociais alertam para riscos da concessão
As falas da representante do ICMBio foram fortemente rebatidas por representantes de movimentos populares, ambientalistas e usuários frequentes dos parques, que expressaram preocupações sobre o processo de concessão e seus impactos sociais e ambientais.
Os pontos de críticas destacadas ao projeto foram a possibilidade de restrição de acesso da população, especialmente para pessoas de baixa renda, aumento nos preços dos ingressos e perda de gratuidade, além da entrega de bens públicos aos setores privados e da falta de participação efetiva da população nas tomadas de decisões, sem a devida consulta prévia. Os movimentos também alertaram para o risco de descaracterização das áreas protegidas e perda de espaços educativos, esportivos e comunitários.
João Carlos Machado, coordenador do Movimento Caminhos do Planalto Central, afirmou que o projeto ameaça o direito da população ao acesso livre aos espaços públicos e fragiliza a gestão ambiental. “Precisamos de alternativas mais inclusivas e sustentáveis, sem entregar à iniciativa privada o controle de espaços que pertencem à população”, defendeu.

Lúcia Mendes, coordenadora do Fórum de Defesa das Águas, criticou a falta de transparência: “Participação social não é favor: transparência é obrigação. Não há democracia ambiental sem o povo”.
O coordenador do Fórum Brasileiro de ONGs e membro do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) Pedro Ivo também defendeu a suspensão do processo e a busca de alternativas de financiamento com maior participação social.
Alba Evangelista Ramos, do Comitê da Bacia Hidrográfica Paranaíba/DF, classificou o processo como “atabalhoado” e defendeu sua suspensão imediata.
Ministério Público cobra transparência e participação popular
O procurador do Ministério Público Federal (MPF) Felipe Fritz ressaltou a falta de participação social e transparência no processo de concessão dos parques. Ele destacou que o MPF recebeu um manifesto com “ampla lista de assinaturas de organizações da sociedade civil” pedindo a suspensão do processo, o que considerou “algo realmente expressivo”.
Entre as recomendações do MPF estavam a ampliação dos prazos da consulta pública — estendidos para 30 dias após a última audiência, realizada em 12 de julho —, a melhoria da comunicação com a população e a divulgação das contribuições recebidas. Embora algumas medidas tenham sido parcialmente atendidas, Fritz criticou o fato de que a informação permaneceu “insuficiente e inacessível”, especialmente para os moradores do entorno da Flona, que sequer tinham conhecimento da consulta ou das mudanças propostas. “A surpresa e a decepção da sociedade civil foram justamente ver o projeto apresentado já como um pacote pronto, sem diálogo prévio nos conselhos das unidades”, criticou ele.
O procurador destacou que o processo desrespeitou diretrizes legais que garantem a participação social na gestão de unidades de conservação e afirmou que o MPF, princípio previsto no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) e no Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas. Por fim, afirmou que o MPF seguirá acompanhando o caso e poderá adotar medidas judiciais caso as irregularidades persistam.
Parlamentares defendem preservação com controle público

Já os deputados distritais Gabriel Magno (PT-DF) e Max Maciel (Psol-DF) reforçaram as críticas apresentadas pelas organizações da sociedade civil, apontando a falta de transparência e participação no processo de concessão.
“Não tivemos espaço para pensar soluções junto com quem ocupa esses territórios e tem direito a esses espaços públicos”, afirmou Magno. Para ele, o projeto trata a Floresta e o Parque Nacional como um negócio, “onde a viabilidade econômica se sobrepõe ao direito fundamental ao meio ambiente”.
Maciel também foi enfático: “Se hoje eu tenho acesso livre e amanhã esse acesso vai ter um custo, não importa o nome que se dê, na prática, é privatização”. Ele alertou para o histórico de desigualdade no Distrito Federal e o risco de o Estado arcar com eventuais prejuízos para garantir o lucro da iniciativa privada: “Quando a empresa perceber que não alcançou os resultados, quem salva? Sempre o Estado”.
Os parlamentares defenderam a criação de um fundo nacional para a manutenção das unidades de conservação como alternativa sustentável e socialmente justa.
BNDES nega privatização e defende modelo de concessão
O superintendente do BNDES Ramalho Guerreiro afirmou que o banco atua como parceiro técnico do ICMBio e possível financiador de projetos. “O BNDES possui linhas específicas de crédito e financiamento voltadas para atividades relacionadas ao desenvolvimento sustentável”, disse.
Ele explicou que a proposta de concessão da Flona e do Parque Nacional integra o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal, com participação do banco desde o início de 2024. Guerreiro confirmou que a parceria entre BNDES e ICMBio foi formalizada ainda no governo Bolsonaro, mas permanece vigente sob a atual administração.
Sobre críticas da sociedade civil, ele negou qualquer intenção de privatização. “Discordo de qualquer afirmação que diga que estamos apoiando a privatização. Não é privatização, é concessão”, afirmou, esclarecendo que o BNDES recebe apenas uma remuneração técnica pela modelagem do projeto.
Suspender o processo e construir, junto com a sociedade

Ao final da audiência, a deputada federal Erika Kokay (PT-DF) anunciou que solicitará formalmente ao ICMBio, à Casa Civil da Presidência da República e ao BNDES a suspensão imediata do processo de concessão da Floresta Nacional e do Parque Nacional de Brasília.
“Não se pode tratar parques e florestas como negócios; esses espaços são patrimônio do povo e devem permanecer acessíveis, sem serem submetidos à lógica do lucro. Precisamos dialogar com a população”, defendeu Kokay.
A parlamentar propôs a abertura de um novo processo de debate, com participação efetiva da sociedade civil, conselhos participativos e audiências públicas nos territórios. “É inadmissível que a primeira solução pensada tenha sido a concessão”, criticou.
Para Kokay, o único caminho possível é interromper o atual processo e construir uma alternativa em conjunto com a sociedade. “Nossa recomendação é clara: suspender o processo e construir, junto com a sociedade, uma solução democrática e sustentável para garantir o acesso da população e a preservação ambiental”, concluiu.