Dados inéditos do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad III), divulgado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), revelam que cerca de 1,2 milhão de brasileiros com 14 anos ou mais têm dependência de cocaína ou crack. A pesquisa, realizada em 2023, mostra ainda que 6,6% da população já fez uso dessas drogas ao menos uma vez na vida, enquanto 2,2% relataram uso recente, nos últimos 12 meses.
Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, a pesquisadora Clarice Madruga, da Unidade de Pesquisa em Álcool e outras Drogas da Unifesp, explicou que o levantamento mostra a correlação entre vulnerabilidade social e uso de substâncias psicoativas. “O quanto que estamos falando de uma substância que já mostra nessas prevalências a questão de o quanto a vulnerabilidade social e fatores como falta de estudo podem ser um fator de risco”, aponta. Segundo ela, a permanência na escola atua como fator de proteção frente ao uso de drogas.
O estudo também destaca que 43% dos usuários relataram uso frequente, mais de duas vezes por semana. Madruga explica que a dependência química relacionada ao crack e à cocaína é acentuada pelas formas de administração que levam a droga ao cérebro de maneira rápida. “Qualquer droga fumada gera mais dependência. É uma droga que chega muito mais rápido no cérebro do que se ela for ingerida ou aspirada”, destaca.
Outro dado preocupante é o percentual de usuários que dirigem sob efeito da substância: mais de 25% entre os homens. A cientista relaciona o uso descontrolado com comportamentos de risco, como sexo desprotegido, violência urbana e doméstica. “São decisões em função de um comportamento de compulsão e de estar sob o efeito dessa substância”, indica.
Falta de debate e políticas públicas
Questionada sobre a ausência de debate público sobre políticas de drogas no país, Madruga critica a abordagem restritiva vigente e defende a importância da redução de danos. “Ações como o uso de contraceptivos de longa duração, como o implante Implanon, e testagens para IST [Infecções Sexualmente Transmissíveis] são fundamentais em contextos de vulnerabilidade, especialmente em cenas de uso”, diz.
Ela também ressalta que restringir o acesso a drogas deve ser prioridade das políticas públicas voltadas à juventude. Apesar da percepção de risco ainda alta entre adolescentes em relação à cocaína e ao crack, o acesso é facilitado. “Dificilmente um adolescente não sabe o que faz mal, que aquilo tem riscos. Ele vai usar porque está fácil, porque os pares estão usando, porque está todo mundo achando que ele deveria usar naquela idade ou naquela situação. Então, o que a gente tem que pensar é em política pública de restrição de acesso”, explica.
Para a pesquisadora, enfrentar o problema exige uma abordagem intersetorial. “É um assunto de saúde, de segurança, de assistência social, de vulnerabilidade, de jovens sem acesso a outras formas de lazer, que não têm acesso a outros tipos de gratificação, e acabam colocando isso em uma substância. Então, é uma coisa muito mais sistêmica”, conclui.
Para ouvir e assistir
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