Foi aprovada, em definitivo, pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na quarta-feira (2), a autorização para federalizar a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), detentora de 51% da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig).
Aprovados por unanimidade em 2º turno, os projetos de lei (PL) 3.734/25 e 3.735/25 fazem parte do pacote de adesão de Minas Gerais ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). O programa, que visa sanar a dívida do estado com a União, que está na casa dos R$165 bilhões, possibilita o repasse de ativos ao governo federal, de forma a amortizar 20% do saldo devedor e obter melhores condições no refinanciamento.
Com a destinação dessa porcentagem, que equivale a algo em torno de R$34 bilhões, o refinanciamento da dívida passa a ter juros equivalentes à inflação somada a dois por cento. Esses dois por cento podem ainda ser investidos em áreas de interesse prioritário, como saneamento básico, formação profissionalizante e segurança pública, garantindo juros de 0% no pagamento das parcelas ao longo de 30 anos.
A Codemig
A Codemig, por sua vez, é titular dos direitos minerários de extração do nióbio na cidade de Araxá, na região do Alto Paranaíba mineiro, explorado em sociedade com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM). De acordo com especialistas, a transferência para a União é uma alternativa melhor do que a privatização, defendida pelo governo Zema (Novo), uma vez que a empresa pode cumprir papel estratégico nos próximos anos na transição energética.
“Estão presentes terras raras, que têm um potencial muito grande do ponto de vista estratégico e geopolítico. Isso tudo pode ter um significado muito grande para a economia de Minas Gerais e do Brasil e é melhor que o ativo esteja com a participação relevante do setor público, com o estado de Minas Gerais ou, no caso da federalização, com a União”, ressaltou, em entrevista ao Brasil de Fato MG, o engenheiro metalurgista e ex-presidente da Codemig Marco Antônio Castello Branco.
O valor
Fundada oficialmente em 2003 pela Lei Estadual 14.892, a Codemig é atualmente detentora dos direitos de lavra da maior jazida de pirocloro, matéria prima para o nióbio, do planeta, localizada em Araxá. Com isso, a empresa vem recebendo 25% do lucro líquido da CBMM, no município, obtido com o beneficiamento, industrialização e comercialização do mineral.
Empresa pode cumprir papel estratégico
Isso quer dizer que a empresa gera, anualmente, cerca de 250 a 300 milhões de dólares para os cofres de Minas Gerais. Segundo o engenheiro metalurgista, o nióbio gera ainda, em termos de impostos de renda, mais de 300 milhões de dólares por ano.
“Ou seja, o governo federal, caso assuma a reserva, além da participação inicial na sociedade com a CBMM, em torno de 250 milhões de dólares, teria ainda, todos os anos, mais de 300 milhões de dólares”, declara.
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A avaliação do valor da empresa será feita pelo Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que tem até o dia 31 de dezembro para fazê-la. A Codemig, porém, contratou o Goldman Sachs para realizar também um exame dos ativos da empresa, de forma com que a cúpula da companhia participe das negociações com a União tendo referência do valor de mercado.
Apesar disso, a expectativa é de que as empresas sozinhas atinjam o valor da entrada para o abatimento da dívida com a União. Nesse sentido, caso o governo federal aceite esses ativos, não seria necessária a inclusão de outros ativos aventados pelo governo Zema, como a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), nas negociações de privatização ou federalização.
Codemig, nióbio e transição energética
O nióbio é um metal usado para tornar as ligas metálicas mais resistentes e leves. Por isso, possui uma importância produtiva estratégica, particularmente para a fabricação de baterias.
O rejeito do beneficiamento do nióbio em Araxá possui, ainda, a presença de magnetita, barita, terras raras e fósforo, e tem, assim, importância crucial no processo de transição energética em curso, como explica Tádzio Coelho, professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
“Manter o controle público desse processo é fundamental, se pretendemos controlar os danos socioambientais da extração e planejar uma saída ao problema que o próprio capitalismo colocou para a humanidade: as mudanças climáticas. Se vamos construir um caminho para esse problema estrutural e sistêmico, precisamos também pautar o controle dos bens minerais e a maneira que usufruímos dos mesmos. A Codemig e o controle público da extração de nióbio fazem parte disso “, aponta.
Apesar disso, Coelho destaca que o professor Ricardo Gonçalves, estudioso do tema, ressalta que não faz sentido aumentar a atual produção de nióbio, uma vez que a demanda mundial existente por nióbio já é suprida.
Além disso, para Castello Branco, é importante reforçar que parte das terras raras presentes nos rejeitos de Araxá “possuem uma natureza mineralógica específica”.
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“O tratamento e o processamento delas não são simples, mas a tecnologia já resolveu muitos problemas e pode resolver esse também, transformando essas terras raras em ativos relevantes, geradores de riquezas, por exemplo, para a área de mobilidade elétrica”, explicou o ex-presidente da Codemig.
Dessa forma, o valor do direito de lavra e da Codemig em si perpassa um cálculo futuro sobre a importância desse ativo nas próximas décadas. É justamente essa, na opinião de Castelo Branco, a maior relevância de manter a Codemig enquanto uma empresa pública, uma vez que, “só o setor público tem visão de longo prazo e capacidade de aguardar ativos gerarem valores econômicos”.
Transferir é melhor que privatizar
“A federalização é melhor do que a simples privatização. E o governo federal pode pagar bem mais do que o valor de mercado pelos bons ativos, como a Codemig, que forem federalizados. Já que, o grande valor da empresa hoje é o valor residual da reserva que fica no subsolo, a partir de 2032”, continua.
Diversos analistas consideram os mecanismos propostos pelo Propag muito mais vantajosos para o estado e o povo de Minas Gerais do que a simples privatização das estatais mineiras, como proposto antes no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), defendido pelo governo do estado.
Eles avaliam também que a transferência da Codemig e da Codenge e sua boa avaliação resguardariam empresas fundamentais para a boa manutenção de Minas Gerais, como a Copasa, a Cemig e a Gasmig, permitindo, ao mesmo tempo, a manutenção de um ativo estratégico na geopolítica mundial nas mãos do governo federal.
Projetos foram aprimorados
Nesse sentido, durante a tramitação em 1º turno na ALMG, ambos os projetos de lei foram aprimorados, a partir de uma demanda da oposição ao governo de Romeu Zema, a fim de impedir que a autorização fosse usada para a privatização dessas empresas.
As mudanças acatadas pelo Plenário incluem a revogação da Lei 23.477, de 2019, que autorizava o Estado a ceder direitos creditórios relacionados à Codemig a pessoas jurídicas de direito privado e a fundos de investimento, e o condicionamento da autorização para a federalização à adesão do estado ao Propag e a obrigatoriedade de que as sedes das duas empresas deverão permanecer em Minas Gerais.
Com as mudanças, também foi excluída a possibilidade de privatização da participação societária do Estado nas duas empresas.
Imbróglio no TCE
Na próxima quarta-feira (9), o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG), deve avaliar a existência de irregularidades no contrato de exploração do nióbio firmado entre Codemig e CBMM. O processo aponta que o estado pode ter sofrido um prejuízo de R$10 bilhões a partir do descumprimento da paridade de extração de material.
Isso porque, de acordo com o Ministério Público de Contas (MPC), há falta de transparência e possibilidade de interferência nos números divulgados pela própria CBMM, parte interessada no processo e, portanto, não isenta. A acusação é de que teriam sido extraídas 103 mil toneladas de nióbio da mina da Codemig a mais do que da mina pertencente à CBMM, o que fere o acordo firmado entre as companhias que determina a divisão igualitária da extração.