Mesmo com o fim do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim) pelo governo Lula (PT) em 2023, Minas Gerais segue na contramão. Sob a gestão de Romeu Zema (Novo), o estado quer expandir o modelo, hoje já presente em nove escolas públicas.
A Secretaria de Estado de Educação (SEE-MG) lançou uma consulta pública a 728 escolas da rede para verificar o interesse na adesão ao programa, com prazo até o dia 18 de julho. A decisão final será tomada em assembleias escolares extraordinárias, que devem ser registradas em ata e encaminhadas ao governo.
Uma audiência pública marcada para esta quinta-feira (10), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), é o próximo passo da ofensiva. Embora apresentada como um espaço de escuta e debate, a reunião tem sido criticada por parlamentares da oposição, que denunciam a ausência de legislação para amparar o programa e alertam para o que classificam como uma “militarização silenciosa e disfarçada” da educação.
“Esse programa não tem lei, não tem decreto, só uma resolução da Secretaria de Educação. A única menção legal está dentro do Plano Plurianual de Ação Governamental, vinculado ao projeto Somar, que é um esquema de privatização das escolas por meio de organizações da sociedade civil. O risco que corremos é de que escolas estejam, sem saber, aderindo a um projeto de privatização do ensino público”, denuncia a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT).
Nos últimos dias, representantes de comunidades escolares do estado acionaram alguns parlamentares acreditando que o projeto apresentado por Zema tornaria as escolas em um modelo como os colégios Tiradentes. No entanto, autoridades trataram de desmentir essa confusão, que, segundo elas, foi proposital.
“Algumas comunidades estão sendo levadas a crer que estão votando por um Colégio Tiradentes, mas estão entrando em outro sistema. O Colégio Tiradentes tem previsão legal, número fixado por lei, normas próprias. O que o governo está tentando agora é implantar outro modelo, sem base legal, sem controle, e que pode abrir espaço para a entrada de empresas privadas na gestão pública”, afirmou Cerqueira em suas redes sociais.
O Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) também se posiciona frontalmente contra a proposta. Para Marcelle Amador, diretora da entidade, a militarização não melhora o ensino, não resolve o problema da violência escolar e, ao contrário do que a propaganda do governo sugere, ameaça a liberdade acadêmica, a gestão democrática e os direitos dos estudantes.
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“É uma cortina de fumaça para esconder a política de desvalorização da educação. Em vez de investir em infraestrutura, formação e valorização dos profissionais, o governo transfere recursos públicos para gratificações de militares aposentados e impõe a lógica autoritária dos quartéis às escolas”, critica.
Segundo o governo, a presença de militares nas escolas tem caráter pedagógico e disciplinar: caberia a eles apoiar a mediação de conflitos, promover valores como respeito e responsabilidade e auxiliar na gestão. Mas a Resolução Conjunta SEE/CBMMG nº 1, de 30 de janeiro de 2024, revela um cenário diferente. Os militares poderão interferir diretamente na dinâmica pedagógica, orientando estudantes, acompanhando representantes de turma e avaliando o desempenho de professores e especialistas da educação básica.
“Está escrito na própria resolução: os militares vão interferir no planejamento pedagógico, nas atividades educacionais e até na avaliação do trabalho dos professores e professoras. É um ataque frontal à autonomia das escolas e à função dos educadores”, alerta Beatriz Cerqueira.
“É um programa que nasce para agradar setores da extrema direita”
Além do impacto pedagógico, há ainda relatos preocupantes de outras unidades que adotaram o modelo em estados como Paraná e São Paulo, onde foram denunciadas agressões físicas, racismo, censura e abuso de autoridade.
“É um modelo que reforça a lógica punitivista e tenta resolver conflitos sociais com repressão. Em vez de acolher, reprime. Em vez de escutar, impõe. Em vez de formar sujeitos críticos, ‘robotiza’ os alunos para obedecer ordens sem questionamento”, aponta Marcelle Amador.
Para o sindicato, a adesão ao modelo também está sendo conduzida de forma autoritária.
“Não há debate real com a comunidade escolar. As escolas receberam a consulta com prazo curtíssimo e sem acesso a todas as informações. E o governo aposta na desinformação para confundir as comunidades, fazendo-as acreditar que estão escolhendo um modelo de excelência, quando, na verdade, estão entrando em um programa mal regulamentado e politicamente instrumentalizado”, denuncia.
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A estratégia, segundo o Sind-UTE/MG, é eleitoral. A militarização serviria para atender à base conservadora e fortalecer a candidatura de Zema a cargos nacionais.
“É um programa que nasce para agradar setores da extrema direita, para consolidar um projeto ideológico. Um retrocesso disfarçado de solução para problemas que o próprio governo criou ao desmontar a educação pública”, afirma Marcelle.
Mobilizações visam jogar luz ao projeto de Zema
O Sind-UTE/MG vem promovendo aulas públicas, campanhas e orientações diretas às comunidades escolares, como parte da campanha “Escola Viva é Escola sem Medo”. Entre as ações, está o acompanhamento da votação nas escolas e a mobilização contra o avanço do modelo, que pode afetar centenas de milhares de estudantes em Minas.
O alerta é claro: ao naturalizar a presença de militares nos espaços educacionais, o Estado mina os princípios democráticos da educação pública e pavimenta o caminho para projetos autoritários.
“A escola é o espaço da pluralidade, do pensamento crítico, do acolhimento. Colocar a farda no lugar do diálogo é dizer que não há lugar para a diversidade, para o questionamento, para a liberdade. E isso é inaceitável em qualquer democracia que se preze”, conclui Marcelle Amador.