Os principais representantes do bolsonarismo nos governos estaduais têm acusado, em declarações públicas, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de “colocar a ideologia acima dos interesses do país”. No entanto, ao reagir à taxação de 50% sobre produtos brasileiros nos Estados Unidos, os líderes da extrema direita revelam outros interesses em jogo e determinadas inconsistências no discurso.
Há uma estratégia que parece alinhada: culpar o governo brasileiro por supostamente “provocar” o presidente estadunidense. “As empresas e os trabalhadores brasileiros vão pagar, mais uma vez, a conta do Lula, da Janja e do STF. Ignorar a boa diplomacia, promover perseguições, censura e ainda fazer provocações baratas vai custar caro para Minas e para o Brasil”, publicou ainda na quarta-feira (9) o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).
Em sintonia, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) publicou na rede social X: “Lula colocou sua ideologia acima da economia e esse é o resultado. Tiveram tempo para prestigiar ditaduras, defender a censura e agredir o maior investidor direto no Brasil. Outros países buscaram a negociação. Não adianta se esconder atrás do Bolsonaro. A responsabilidade é de quem governa. Narrativas não resolverão o problema”.
A publicação foi respondida pela deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP), com uma foto do governador paulista usando um boné com as insígnias “Make América great again” [Faça a América grande de novo, em português], lema da campanha de Donald Trump nos Estados Unidos, e o comentário: “Ops, você deixou cair essa foto aqui”.
Outro bolsonarista que se pronunciou horas após o anúncio de Trump foi Ronaldo Caiado (União), governador de Goiás. O político comparou Lula ao ex-presidente venezuelano Hugo Chávez que, segundo ele, “afrontava gratuitamente o governo americano” em nome da soberania. Na rede social X, o chefe do Executivo goiano acusa o presidente brasileiro de se “ajoelhar ao narcotráfico” e propõe que as negociações com o governo estadunidense sejam lideradas por uma comissão de parlamentares do Senado e da Câmara, sem a participação do governo federal.
“Com as medidas tomadas pelo governo americano, Lula e sua entourage tentam vender a tese da invasão da soberania do Brasil. Mas Lula não representa o sentimento patriótico do nosso povo, e muito menos tem credenciais para defender a soberania brasileira. Lula já se ajoelhou ao narcotráfico e quer de toda maneira se aliar aos países que são verdadeiras tiranias sustentadas pelo ódio, a corrupção e o terrorismo”, disse o governador e pré-candidato a presidente.
Nenhum dos três governadores mencionou, até o momento, a articulação realizada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para que o presidente estadunidense adotasse medidas de força sobre o Brasil, nem tampouco se referem ao fato de Trump haver mencionado, em tom de chantagem, o processo judicial que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enfrenta na justiça.
Mudança de discurso
Nas postagens feitas pelos governadores há uma chuva de comentários, a maioria negativos. Segundo um levantamento do instituto de pesquisa e inteligência de dados Nexus, o tema da sobretaxa aos produtos brasileiros acumulou mais de 240 milhões de impressões e 9,1 milhões de curtidas no X, nas primeiras horas após o anúncio de Trump. Termos como “respeita o Brasil”, “Brasil soberano” e “traidores da pátria” estiveram entre os mais mencionados na rede durante todo o dia.
Diante da má repercussão, alguns governadores amenizaram o discurso. Embora sigam reafirmando sua defesa a Bolsonaro, tratando-o como vítima de uma perseguição jurídica, os políticos bolsonaristas passaram a condenar abertamente a sobretaxa anunciada por Trump, de olho nas perdas econômicas que os próprios estados devem ter devido à sobretaxa.
No dia seguinte ao anúncio das tarifas, Romeu Zema publicou um vídeo na rede X em que afirma que “a taxação imposta pelo presidente Trump a produtos brasileiros é uma medida errada, injusta” e sugere que ela seja revista pelo governo estadunidense. Não sem antes acusar o Supremo Tribunal Federal (STF) de ter “motivação política” no julgamento de Jair Bolsonaro e afirmar que permanece ao lado do ex-capitão. O STF, estamos vendo, já passou dos limites”, disse o governador mineiro, que volta a criticar supostas “provocações e intromissões de Lula em assuntos dos Estados Unidos”.
Tarcísio de Freitas usou as redes sociais para publicar vídeo de um encontro matutino com o ex-presidente réu. “A dupla vassalo e vacilão indo comemorar a taxação trumpista. Traidores da pátria”, comentou um usuário da rede X.
Mais tarde, durante uma coletiva de imprensa em um evento das obras do metrô de São Paulo, o governador paulista reconheceu o impacto negativo da medida anunciada pelos Estados Unidos. “O impacto é negativo, porque, como eu falei, São Paulo é um grande exportador. O maior destino de exportações industriais do Estado de São Paulo são os Estados Unidos”, declarou. “Isso não é bom para os brasileiros nem para os americanos”, completou o governador, pedindo prioridade da diplomacia brasileira na solução do problema.
Ronaldo Caiado não voltou a se pronunciar sobre o assunto. Outros governadores do espectro bolsonarista ficaram calados. É o caso de Ratinho Jr (PSD), governador do Paraná, Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, e Jorginho Mello, de Santa Catarina, que chegou a comemorar, dois dias antes, a publicação de Trump em defesa de Bolsonaro, mas não deu declarações públicas sobre a sobretaxa anunciada na quarta-feira.

Todos os governadores citados na matéria foram contactados para que pudessem se posicionar oficialmente ou mesmo atualizar suas posições relativas à sobretaxa de Trump. A assessoria de imprensa do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, respondeu ao contato encaminhando o áudio da entrevista coletiva mencionada nesta matéria. Os demais posicionamentos, sendo recebidos, serão imediatamente inseridos no texto.
Ideologia acima da economia?
A relação entre economia e política, por vezes naturalizada, também foi criticada pelos governadores bolsonaristas, que não dedicaram atenção aos impactos que as novas taxações podem causar em cada estado.
Segundo dados da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos (Amcham), 31% das exportações brasileiras no primeiro trimestre de 2025 tiveram como destino o mercado estadunidense, com um total de US$ 3 bilhões de dólares e uma variedade grande de produtos, entre os quais sucos de frutas, aeronaves e combustíveis.
São Paulo é o maior exportador brasileiro para o país do norte, com um volume de US$ 13,6 bilhões em produtos vendidos, seguido pelo Rio de Janeiro, em segundo lugar, responsável por 17,8% das exportações, ou o equivalente a US$ 1,7 bilhão de dólares, e Minas Gerais, com US$ 1,1 bilhão de dólares o maior valor para o período desde o início da série histórica do Comex Stat, em 1997.
O principal item enviado de Minas aos Estados Unidos foi o café não torrado, que respondeu por 41,5% dos embarques, seguido do ferro fundido e outros produtos semimanufaturados de ferro ou aço.
No caso de Goiás, embora a China seja ainda o principal destino das exportações goianas, o estado envia aos Estados Unidos grande parte da produção local de soja, carne, milho e açúcar.
Tarcísio tentou articular viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos
A coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo, revelou, nesta sexta-feira (11) que o governo paulista Tarcísio de Freitas telefonou para ministros do STF para sugerir que o Supremo autorizasse a ida de Jair Bolsonaro aos Estados Unidos para se encontrar com Donald Trump.
Segundo a coluna, o governador teria argumentado que o ex-presidente teria capacidade de negociar com Trump para retroceder na taxação de produtos brasileiros, o que teria sido considerado um pedido “fora de propósito” pelos ministros da corte, além de ser percebido por alguns como uma tentativa de fuga do ex-presidente, réu do Supremo pela tentativa de golpe de Estado.
Além disso, os ministros do STF teriam considerado que, sendo ex-presidente, sem cargo político, não teria legitimidade para negociar com o presidente estadunidense, cabendo às autoridades diplomáticas do Brasil realizar tais negociações. Bolsonaro está com o passaporte apreendido e impedido de viajar para o exterior.
O Brasil de Fato também acionou a assessoria de imprensa do governador de São Paulo para confirmar a informação, mas não obteve retorno até o momento desta publicação. O espaço segue à disposição.