O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado pela Lei nº 8.069 em 1990, completa 35 anos neste último 13 de julho e marca uma virada histórica na forma como o Brasil e a Paraíba tratam crianças e adolescentes. A ferramenta é considerada uma das legislações mais avançadas do mundo, garantindo o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos.
O juiz Adhailton Lacet, titular da 1ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de João Pessoa, explica que o ECA se destaca internacionalmente:
“A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, é uma das mais completas e uma das mais importantes conquistas da sociedade brasileira. Devemos isso a grupos organizados da sociedade civil, que pressionaram a Comissão Constituinte que, ainda na década de 70, elaborava a Carta Magna, a qual foi dedicada a artigo específico para tratar das demandas urgentes das crianças e adolescentes que, até então, não eram reconhecidos como sujeitos de direito.”
Ele comenta que, na Paraíba, apesar das conquistas e da atuação de uma rede engajada, como conselhos tutelares, organizações sociais e programas do Judiciário, ainda há obstáculos concretos para a plena efetivação do estatuto, especialmente em áreas como orçamento público e enfrentamento à violência.
“Apesar dos avanços, a implementação das políticas públicas de proteção, promoção e garantia dos direitos de crianças e adolescentes segue esbarrando na falta de prioridade, especialmente na hora de garantir o orçamento público para a infância e a juventude no Brasil, existindo apenas a possibilidade de se investir em saúde, educação, inclusão e muitas outras ações de implementação dessas leis de referência mundial, com orçamento compatível para a execução das políticas públicas que vão tirar do papel, de fato, a garantia de direitos”, aponta Lacet.
Medidas para fortalecer a rede
Para Lacet, nos últimos anos, a Paraíba tem adotado medidas importantes para fortalecer a rede de proteção infantojuvenil. Entre elas:
– Programa Acolher: iniciativa do Tribunal de Justiça da Paraíba que oferece orientação e assistência a mães que desejam entregar legalmente seus filhos para adoção.
– Famílias Acolhedoras: alternativa à institucionalização de crianças, esse modelo tem sido implantado em diversas cidades para garantir convivência familiar temporária de forma mais humanizada.
– Ampliação dos Conselhos Tutelares: segundo o MP-PB, todos os 223 municípios paraibanos contam com, pelo menos, um conselho tutelar ativo, mas ainda abaixo da recomendação do Conanda de um por 100 mil habitantes.
Conselheira tutelar destaca avanço e urgência de compromisso
Verônica Oliveira, conselheira tutelar em João Pessoa, enfatiza os avanços, mas apela por urgência de compromisso:
“Os 35 anos do ECA nos trazem uma responsabilidade ainda maior com a luta pelos direitos humanos das crianças e adolescentes. Hoje, temos o direito à escola pública perto de casa, à prioridade no atendimento e, principalmente, à destinação privilegiada de recursos. Mas isso precisa sair do papel.”
Ela ressalta que o Conselho Tutelar é a linha de frente da defesa dos direitos, mas ainda enfrenta desvalorização e desconhecimento por parte da população e até de setores do poder público:
“Para que fosse garantido o cumprimento dos direitos, o legislador criou um órgão de fundamental importância responsável justamente por zelar pelo cumprimento do direito, e esse órgão, não jurisdicional, é o Conselho Tutelar. Esse órgão, de tamanha importância, muitas vezes é incompreendido pela população, que ainda não vê a infância com a importância que merece, onde adultos ainda acreditam serem donos dos corpos de crianças e desconsideram uma lei tão completa como o Estatuto da Criança e do Adolescente. É quem está, no dia a dia, na defesa incondicional dessa mesma lei”, ressalta.
Também Conselheira Tutelar na capital, Patrícia Falcão observa:
“O ECA é um marco na garantia dos direitos de crianças e adolescentes, pois, antes dessa lei, eles não eram considerados sujeitos de direitos. É a partir do ECA que se cria o Conselho Tutelar, órgão importante no cumprimento da garantia desses direitos. Entretanto, 35 depois, ainda precisamos lutar muito pela efetivação desses direitos, como, por exemplo, a garantia da prioridade absoluta, principalmente na construção das políticas públicas. O grande descaso, hoje, é com a saúde mental, pois nós, conselheiros(as) tutelares, não temos para onde encaminhar crianças e adolescentes que precisam desses serviços, assim como seus familiares”, comenta.
Casa Pequeno Davi: um braço solidário na defesa das crianças e adolescentes – e do ECA
Com sede em João Pessoa, a organização Casa Pequeno Davi atua há quatro décadas com crianças em situação de vulnerabilidade social. A instituição desenvolve projetos socioeducativos e articula políticas públicas por meio de redes de proteção e mobilização comunitária.
Dimas Gomes, coordenador administrativo da instituição, explica:
“A Casa Pequeno Davi, com 40 anos de trajetória, caminha junto a essa história. Atuamos de forma direta na proteção, promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, por meio de programas socioeducativos, ações de fortalecimento comunitário, articulação em redes de proteção e incidência política.”
Para ele, crianças são a promessa de um futuro melhor: “Garantir os direitos do ECA é tarefa permanente. Enfrentamos desigualdade, evasão escolar, fome e violência. Mas temos a convicção de que investir nas crianças é investir em um futuro mais justo”, destaca.
Presidente Lula reforça prioridade
“Garantir os direitos do ECA é tarefa permanente”: é o que também pensa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na 12ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, em abril do ano passado, Lula reforçou o compromisso com a pauta: “É isso que a gente tem que fazer para garantir às crianças e aos adolescentes brasileiros uma oportunidade digna, de vida decente e de um futuro promissor, muitas vezes melhor do que aquilo que ele recebeu dos seus pais”, comentou o Presidente.
O ECA precisa ser defendido
O juiz Adhailton Lacet conclui reafirmando o valor do ECA no estado: “Celebrar os 35 anos do ECA é reconhecer sua importância, mas também renovar o compromisso coletivo com sua efetivação. Ele destaca que o estatuto deve ser valorizado em sua integralidade.
“Em um país ainda marcado por desigualdades, garantir os direitos de crianças e adolescentes é investir no futuro. O ECA continua sendo uma ferramenta viva de transformação, que precisa ser constantemente defendida, valorizada e aplicada em sua integralidade. Na Paraíba, temos observado avanços significativos, a exemplo da implantação das Famílias Acolhedoras, serviço de acolhimento imprescindível, além do Programa Acolher, desenvolvido pelo TJPB para amparar e encaminhar mães que querem entregar seus filhos, voluntariamente, para adoção”, enfatiza ele.
O ECA não é apenas um documento ‘maduro’, com 35 anos de idade: é uma ferramenta atual, necessária e transformadora. Para contribuir em sua plenitude precisa ser defendido contra retrocessos e omissões, e valorizado por todos os setores da sociedade.